Contos de gêneros opostos
por Barbara DemerovAté a primeira metade de Favolacce, a impressão que dá é a de que o filme não pretende chegar a lugar algum. Afinal, o que uma história centrada em algumas famílias que vivem no subúrbio italiano pode entregar de sério ao espectador? As discussões entre pais e seus filhos, o sentimento de competitividade dentre todos ali e as provocações contidas no cotidiano parecem vir de um lugar muito superficial para chegar à uma mensagem carregada sobre a sociedade atual.
Mas até mesmo a trama mais inalterada, mais estável, pode se transformar em algo verdadeiramente incômodo. O título em inglês de Favolacce é Bad Tales, o que justifica muito bem o rumo que a história toma a partir de sua segunda metade. O único revés da obra é que o contraste entre o inofensivo e o desconfortável tarda tanto a acontecer que torna-se inesperado - ainda mais com um narrador nada confiável. Contudo, ainda assim o intuito do filme dos irmãos D'Innocenzo fica bastante claro.
E, talvez, o baque que os diretores querem causar ao espectador seja justamente este. Eles tomam todo o tempo possível para nos apresentar àquelas famílias, às crianças que tiram A+ na escola em todas as matérias e à falta de comunicabilidade em cada residência. Os pais estão muito mais focados em agradar as pessoas que os observam ao longe do que os próprios filhos - seja com uma piscina no quintal em pleno verão ou uma grande festa de aniversário.
Então, vem o choque. Favolacce aborda temas relacionados a violência nas escolas proveniente do local onde menos se espera que ela apareça: na educação de certos professores. O perigo que mora no local aparentemente mais seguro da infância e adolescência é exibido em tons sombrios - o que se distancia de todo o resto do longa, que é preenchido com um clima de sátira e muito cinismo graças às atuações dos personagens que interpretam os pais e mães. Ao mesmo tempo, as crianças vão se tornando cada vez mais silenciosas e impassíveis.
O longa perambula entre dois gêneros muito distintos - o suspense e a comédia -, mas nunca parece saber o que fazer quando a trama adentra numa espécie de pausa de si mesma, especialmente quando explora as descobertas da juventude. Apesar de não saber chegar até a mensagem principal, que fala sobre a escuridão tomando sua forma mesmo nos locais mais iluminados e que parecem carecer de qualquer profundidade, Favolacce fornece um desfecho que impressiona. Talvez seja apenas por conta da disparidade dentro do próprio filme? Provavelmente. Mas é difícil ficar impassível com a conclusão.
Filme visto no 70º Festival Internacional de Cinema de Berlim, em fevereiro de 2020.