Mixando ruídos
por Barbara DemerovEm El Prófugo, a diretora Natalia Meta brinca com o que é real e o incoerente ao nos apresentar o universo particular da protagonista Inés (Érica Rivas, de Relatos Selvagens). Ela se divide em dois empregos que dependem puramente de sua voz; dedica-se um período do dia como dubladora e, no outro, canta em um coral. Até aí, tudo em sua rotina seria perfeitamente normal - mas a história verdadeira está abaixo desta camada. No início do filme, Inés diz ao seu namorado que ouve vozes de vez em quando e, mais grave do que isso, tem pesadelos recorrentes. Seu companheiro possui uma curiosidade quase sombria em saber com quem Inés fala durante seus sonhos, não estando preocupado com a situação em si. O comportamento soa bastante bizarro, mas ainda assim tem traços cômicos.
Mas, após um grande trauma, a comicidade de El Prófugo não é mais delineada pela situação de Inés, que piora cada vez mais. O cômico se encontra nas entrelinhas, nos espaços de tempo em que a protagonista conhece um caminho alternativo que pode lhe ajudar. A resposta para o seu problema vem rápida e fácil, praticamente encontrando-a antes dela se perguntar exatamente o que são aquelas vozes que aparecem nos aparelhos de dublagem, prejudicando sua carreira. Inés já tem dúvidas sobre se o que está vivendo em determinado momento é real ou não, mas esta questão se acentua à medida que vai perdendo sua voz aos poucos.
A ótima performance de Rivas traz tanto uma potência dramática quanto um espírito jovial à personagem. A câmera de Meta segue a atriz por cada plano, sempre próxima aos seus olhares e dúvidas internas. É muito fácil embarcar na loucura que Inés está vivendo porque a diretora faz o primordial: nos aproxima de sua figura principal de uma forma visualmente bastante atrativa. As cores e enquadramentos da direção de fotografia realçam o que pode ser sonho ou pesadelo - ou apenas a vida real. No todo, todas estas possibilidades vão se misturando para criar uma atmosfera vibrante, que entrega mais perguntas do que respostas.
E, neste caso, tudo bem se não compreendermos absolutamente tudo o que está acontecendo em tela. A narrativa que acompanha a personagem vai nos dando pistas (algumas até fáceis demais para serem compreendidas), mas o fato é que a jornada de Inés é extremamente divertida de se acompanhar. É a união de uma atriz competente para entregar variadas nuances e, principalmente, de uma direção que privilegia a conexão entre espectador e consciência de Inés. Quando alguns dos mistérios vão sendo solucionados, a tensão ganha mais força com os sentimentos de medo e dúvida da mulher.
El Prófugo não se aprofunda nos mistérios dos intrusos que cercam Inés há um bom tempo, mas a graça do filme está na relação da personagem com a sua própria voz. A narrativa sempre bem-humorada indica que ela perde parte de sua força interna quando não sabe o que fazer com tais companhias, mas a partir do momento em que entende o que pode ser feito, retoma seu estímulo e se entrega a algo completamente novo, escondido dos olhos de outrem. A ótima cena final mostra o ápice do encontro de Inés consigo mesma, transmitindo rara (e estranha) sintonia entre comédia e terror. Ainda que inusitado, é difícil não ficar feliz pela protagonista.
Filme visto no 70º Festival Internacional de Cinema de Berlim, em fevereiro de 2020.