A beleza dos detalhes
por Barbara DemerovO novo filme de Hong Sang-Soo é mais um exemplo de como seu cinema pode ser tão agradável mesmo tratando de coisas tão simples: relações interpessoais, os silêncios que dizem tudo e as palavras que indicam outra coisa. The Woman Who Ran é uma história extremamente simples, mas com um poder de comunicabilidade tão forte que, mesmo não tendo a intenção de se tornar universal, acaba se transformando justamente nisso. Universal.
Ambientado no subúrbio de Seoul, a narrativa acompanha a visita da mulher Gamhee à três amigas que não via há muito tempo. Ela é casada e conta a cada uma que esta é a primeira vez em que viaja sem o marido; ou melhor: esta é a primeira vez que ela passa um dia sem ele em cinco anos de casamento. A cada vez que Gamhee conta isso, a reação das amigas é diferente - assim como o modo como conta isso. Às vezes parece que ela está querendo falar para si mesma, afirmando que está tudo bem não viver separadamente de seu parceiro.
São mínimos os detalhes que tornam esta pequena viagem tão carismática e cheia de vida. Apesar de os diálogos entre Gamhee e suas amigas não possuírem nada de chocante à primeira vista, a graça está nas reações de cada personagem durante eles e no que acontece entre um gole de vinho ou pedaço de carne. Sang-Soo faz comentários sobre vacas e a culpa de se comer carne e também filma um gato de rua (com seus zooms hilários que salientam a aleatoriedade da situação) enquanto espera pela comida. Tudo é muito bem-humorado e, ao mesmo tempo, muito sério.
Ele filma diálogos de vizinhos discutindo sobre manter ou não tal gato por perto com o mesmo plano que filma uma mulher dando um fora em um jovem com que se relacionou apenas uma vez. Por isso, quando o enredo mergulha em temas mais profundos - como perdas e desejo - é quando vemos que a verdadeira graça da história está aí: ao registrar as palavras e acontecimentos mais costumeiros na maior parte do tempo, de vez em quando aparece algo tão cintilante e surpreendente que é impossível se manter impassível.
The Woman Who Ran não é só uma mulher. Apesar da mulher-título ser citada em uma determinada cena do filme, as personagens aqui abordadas também desejam fugir de algo, pois os diálogos também aprofundam dilemas que se refletem em olhares distantes e sem tanto brilho. No fundo há sempre algo a mais, e isso é uma característica única de Sang-Soo. Em conversas de planos-sequência, ele consegue explorar o que está na superfície e o que está mais escondido com a mesma facilidade. Isso demonstra que, apesar de sermos seres complexos, não é tão difícil entender uns aos outros se apenas nos ouvirmos com mais dedicação. Seu cinema é sobre isso: ouvir e prestar atenção.
Filme visto no 70º Festival Internacional de Cinema de Berlim, em fevereiro de 2020.