Depois do final da terrível trilogia de 50 Tons de Cinza, sinceramente, não esperava ver outra obra que abordasse de forma tão estereotipada e absurda questões sexuais e amorosas – mas, baseando-se em um livro (ou praticamente uma fanfic) de Blanka Lipinska – uma “versão” polonesa de E.L. James, que, igualmente, precisa de sérias sessões em um analista – chega está produção da Polônia, que parece querer bater o recorde de ruindade, superficialidade, sexismo, misoginia e machismo sobre o comportamento feminino diante do sexo e de situações de abuso.
E falo isso com pesar – porque, sendo um homem, só posso dar meu apoio e simpatia para as causas do movimento feminista – mas, vendo um filme deste (baixo) nível, imagino que qualquer mulher com um mínimo de discernimento mental desaprovaria todas as situações maniqueístas e constrangedoras criadas pelo roteiro (co-escrito pela autora do livro, inclusive). 365 Dias acompanha o mafioso italiano Massimo (Morrone), chefe do crime em sua região, ele acaba se pegando apaixonado por uma turista polonesa em visita a Sicília, a bela executiva Laura (Sieklucka) – que Massimo viu em um sonho anos antes e, por isso, fica obcecado por ela, sequestrando-a. Sendo assim, o mafioso faz uma proposta a ela: que deixe tentar faze-la se apaixonar por ele dentro de 365 dias – só assim podendo voltar para sua vida normal, que Laura aparentemente não demonstra tanto interesse, ainda mais porque tem um relacionamento áspero com seu namorado Martin (Lasowski).
Só pela sinopse é notório como toda a trama é maniqueísta – o namorado de aparência e comportamento desleixado – propositalmente irritante, só para forçar ainda mais a ideia de que o abusador é alguém “melhor”; o sedutor e criminoso que convence qualquer mulher a fazer sexo com ele, pelo simples fato de ter características que os padrões de beleza da sociedade pedem; e, claro, o ridículo sonho que faz Massimo ficar tão perverso em sua busca por Laura – um tipo de ideia que só não é mais ridícula do que quase todos os diálogos da obra – é visível que a dupla de diretores acredita que somente a química sexual é suficiente para um casal ser “feliz para sempre” – afinal, um homem como Massimo (sim, que é um criminoso também) pode “forçar” uma aeromoça a fazer sexo oral nele ou, para despertar a vontade de Laura em ter relações com ele, a fazer assistir outra mulher lhe fazendo mais sexo oral – chama-lo de egoísta seria uma perda de tempo – ah... e, logo em seguida, este homem (descrito por Laura como alguém com um corpo desenhado por Deus e o pênis pelo diabo – sim, existe esse dialogo!) ficar enciumado por sua pretende forçada tentar fazer ciúmes usando roupas curtas e dançando com outros homens – creio que seria impossível transforma-lo numa figura mais machista do que isto.
Massimo acaba deixando Christian Grey no chinelo quando o assunto é explorar suas taras e dominar e humilhar suas “submissas” – aliás, todo o alarde em cima do tal conteúdo de BDSM é desnecessário – a maioria das cenas de sexo são convencionais – se aproveitando de enquadramentos bem feitos e uma misce-en-scene que sabe explorar os espaços dos cenários para não enquadrar os órgãos genitais dos atores – este acaba sendo o único bom atributo técnico de 365 Dias, no final das contas – já que ainda temos uma trilha-sonora que mais parece que ligaram na Rádio Jovem Pan e deixaram tocando aleatoriamente várias músicas pop – uma ou outra até boas, convenhamos – mas é só. Sem contar ainda com a edição sofrível – por exemplo, a sequência inicial mostrando Massimo “negociando” com seus “clientes”, enquanto, ao mesmo tempo, aparece Laura sendo uma mulher emancipada e forte no trabalho – além da confusão de troca de cenas neste ponto, este momento de Laura acaba sendo uma enorme contradição para o que ela vem a fazer mais tarde.
E quando falamos dos atores, é aí que este longa polonês descamba ainda mais – com um personagem tão raso, machista e sem personalidade, Michele Morrone só deixa seu Massimo ainda mais imbecil em suas atitudes – um ser que só tem dinheiro e beleza para oferecer – a total falta de expressões faciais do ator deixa até mesmo suas questões de caráter serem exploradas superficialmente, de um jeito que não parece ser um negócio tão sério e importante o ramo de traficar drogas na Itália – os seguranças vividos por Bronislaw Wroclawski e Otar Saralidze só sabem falar sobre a importância da família de Massimo e isso nunca parece ter relevância – mas, creio que o pior acaba ficando para a pobre Anna Maria Sieklucka, vivendo Laura – uma mulher tão mal concebida pelo roteiro que fica difícil descrever sua real personalidade – e de sabermos se a atriz está tendo alguma atuação boa ou não – o fato é que soa ridículo a maneira como ela rapidamente se apaixona por seu raptor – e a falta de profundidade dos roteiristas e diretoras torna tudo ainda pior, afinal, um conflito sobre a “síndrome de Estocolmo” poderia ser algo curioso – mas isso passa bem longe, sendo igual acontecia nas histórias de E.L. James, onde o amor parece ser algo que só existe em torno de aparecia física e dinheiro – e mesmo tendo 29 anos, Laura mais parece uma adolescente que se apaixonou pela primeira vez, tendo até uma melhor amiga igualmente de pouca idade mental, a insuportável Olga de Magdalena Lamparska – são criações vergonhosas de personagens que ofendem e rebaixam o comportamento feminino.
Toda essa superficialidade e falta de realismo para demonstrar questões sobre o amor e sexualidade só não são piores que o final patético, onde tentam causar comoção e um pouco de suspense em uma história arrastada e repetitiva de seu meio para o fim – e, claro, uma deixa para continuação, que parece ser moda em obras assim – enfim, 365 Dias faz o primeiro filme de 50 Tons de Cinza parecer uma obra-prima – o que, sem dúvidas, é um sinal forte de como está produção vai ficar facilmente entre os piores filmes de 2020.