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    Beckett
    Críticas AdoroCinema
    3,0
    Legal
    Beckett

    Trama política interessante, mas ação esquecível

    por Bruno Botelho

    O cinema tem uma longa tradição em suspenses políticos, especialmente durante os anos 70 quando o conturbado contexto sociopolítico dos Estados Unidos – depois do assassinato de John F. Kennedy em 1963 e lidando com os traumas nacionais da Guerra do Vietnã e Caso Watergate – refletiu em clássicos como A Trama (1974) e Todos os Homens do Presidente (1976), de Alan J. PakulaA Conversação (1974), de Francis Ford CoppolaTrês Dias do Condor (1975), de Sydney Pollack, todos com enredos complexos sobre paranoia e conspiração. Beckett, filme original da Netflix, é de certa forma um herdeiro espiritual dessas produções ao tentar refletir a instabilidade política e a polarização do mundo nos últimos anos.

    Enquanto estava de férias na Grécia com April (Alicia Vikander), o turista americano Beckett (John David Washington) se torna o alvo de uma caçada após um acidente devastador que tira a vida de sua esposa. Forçado a correr para salvar sua vida e desesperado para atravessar o país até a embaixada americana, as tensões aumentam conforme as autoridades se aproximam.

    Beckett coloca seu protagonista em um contexto político interessante – mas mal aproveitado

    Beckett conta com roteiro de Kevin Rice a partir de uma história do italiano Ferdinando Cito Filomarino, que é o diretor do filme e colaborador recorrente de Luca Guadagnino, inclusive atuando como diretor de sua segunda unidade em Um Mergulho No Passado (2015), Me Chame Pelo Seu Nome (2017) e Suspíria - A Dança do Medo (2018). O grande acerto de Filomarino foi ambientar o longa-metragem no coração da crise financeira atual na Grécia, um contexto político complicado e interessante para ser explorado.

    Acompanhamos Beckett de John David Washington perdido – assim como o público – e lutando por sua vida, sem entender a conspiração perigosa que ele acabou se envolvendo. A crise econômica de 2008 nos Estados Unidos refletiu no mundo todo, o que causou uma instabilidade enocômica na Grécia. Como resultado disso, foram implementadas medidas chamadas de austeridade, que incluiam a redução de gastos públicos, cortes de direitos trabalhistas, benefícios e aumento de impostos – gerando fortes revoltas populares e manifestações políticas. Situando o filme dentro desse contexto, Ferdinando Cito Filomarino conseguiu que a intriga presente em sua obra ocorresse de forma crível em sua trama.

    Aos poucos, o personagem principal vai descobrindo mais detalhes sobre os perigos que ele acabou se envolvendo. Mas, ao contrário da paranoia que seria interessante comuns em suspenses conspiracionistas, Beckett segue mais para um suspense de perseguição voltado para a ação e tensão resultante das possíveis ameaças. Isso, infelizmente, tira um pouco da grandiosidade e peso da história política, deixando ela mais como um plano de fundo para seu protagonista percorrer (ou fugir) pelas paisagens gregas.

    Personagens mal desenvolvidos e progressão da narrativa focando na ação

    Beckett encontra com personagens importantes para o contexto do filme, com destaque para a ativista Lena (Vicky Krieps) e o membro da Embaixada dos Estados Unidos, Tynan (Boyd Holbrook). Infelizmente, eles são personagens subutilizados e unidimensionais dentro dessa trama política, movendo o personagem de John David Washington na narrativa de perseguição, como um bom exemplar de entretenimento de ação. Falando nele, Washington ganhou destaque nos últimos anos em filmes como Infiltrado na Klan (2018) e Malcolm & Marie (2021), e aqui injeta uma fisicalidade semelhante a que vimos do ator em Tenet (2020), conseguindo passar bem o desespero, confusão e culpa que envolvem seu personagem. Destaque esse que não vemos em Alicia Vikander, com um curto papel na produção por causa do destino trágico de sua personagem, ela não tem muito com o que trabalhar. 

    Ferdinando Cito Filomarino, que havia feito sua estreia na direção de longa-metragem em Antonia. (2015), utiliza bem a exuberante fotografia de Sayombhu Mukdeeprom para filmar boas cenas de ação pelos mais distintos cenários da Grécia, de montanhas a cidades urbanizadas. Apesar de serem bem filmadas, eles vão progressivamente perdendo seu peso, pois o Beckett começa como um turista comum e termina parecendo o Liam Neeson nos filmes de Busca Implacável. A trilha sonora de Ryuichi Sakamoto acaba sendo outro ponto fraco, pois não consegue refletir o clima enervante que a trama propõe.

    No final das contas, a narrativa de Beckett é situada em um interessante contexto de conspiração e instabilidade sociopolítica atual, mas infelizmente o filme escolhe abraçar um lado mais escapista do cinema de ação com foco na perseguição e fuga do protagonista vivido por John David Washington, o que deixa a produção menos ousada e mais simplista – levando em conta o que ela poderia ser com as próprias ambições apresentadas no cerne de seu argumento. Ainda assim, é uma válida opção de entretenimento!

     

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