Uma linguagem sem complemento
por Sarah LyraIndependentemente de um juízo de valor a ser atribuído após a experiência, é quase sempre um frescor acompanhar os trabalhos da mostra Novos Rumos, no Festival do Rio, cujo olhar é voltado para novos realizadores e, principalmente, novas linguagens do cinema brasileiro. Essa energia, felizmente, se manifesta em Terminal Praia Grande, ainda que acabe apostando nas inovações estéticas às custas de um roteiro mais bem delineado. Com poucos diálogos e dono de uma essência contemplativa, o longa de Mavi Simão parece mais à vontade no emprego dos elementos não convencionais que abrigam sua força. Quando se aventura em terrenos mais planos, no entanto, a tendência é pecar pelo excesso.
Um dos maiores trunfos do projeto é conseguir se apoiar sem dificuldades na condução de uma única personagem: Catarina (Áurea Maranhão). É ela quem nos apresenta a uma São Luís melancólica e sombria, caracterizada pela fotografia que aposta nas câmeras altas, em planos abertos e numa iluminação lateralizada parcial, de modo a evidenciar pequenas áreas do quadro — nas cenas iniciais, vemos parte do rosto da protagonista iluminado pelo brilho da tela de celular, enquanto o restante está mergulhado na escuridão, um recurso bem-vindo para ditar o suspense; já o banho da personagem é mostrado unicamente de uma posição elevada, mantendo o mistério sobre a identidade da mulher cuja rotina somos instigados a acompanhar.
No que diz respeito às cores, a direção de fotografia também é cuidadosa ao construir uma cidade na qual o vermelho aparece pontualmente em uma estética dominada pelo azul, ilustrando, assim, o estado onírico de Catarina. Momentos depois, os mesmos ambientes são pintados com uma luz quente contrapondo áreas de magenta e verde, evidenciando, então, a transição para o mundo real. Diante de tantas obras que insistem em demarcar situações do passado, devaneios e sonhos com tons dessaturados ou outros artifícios excessivamente didáticos, é interessante observar como Terminal Praia Grande é elegante ao ressignificar o tempo e os espaços apenas com leves alternâncias de paleta, sem que isso se traduza em uma estética que grita em relação à anterior.
Quando uma figura do passado de Catarina volta à sua vida, a ideia é que o diálogo entre os dois, assim como o reencontro em si, se torne um prenúncio do destino que a aguarda. O problema é que o texto, em suas dificuldades de ser fluido e sutil, corre o risco de praticamente entregar o desfecho do mistério. “E se eu te disser que morri?”, indaga Francisco (Rafael Lozano) didaticamente, tentando despertar uma inquietação na protagonista e, consequentemente, no espectador. Igualmente dispensável é a troca final entre os dois. Além do movimento de câmera, que abre o plano e deixa suficientemente claro o que se passou, o roteiro sente ainda a necessidade de reforçar o entendimento com um diálogo expositivo.
É trágico, evidentemente, que um grande impedimento venha no momento em que a protagonista se prepara para uma mudança em sua vida, mas a verdade é que se torna difícil sentir o impacto das consequências, já que não sabemos, de fato, quem aquela pessoa é, quais são suas aspirações, suas dores e esperanças, ou por que é importante uma transferência para outra cidade. O que vemos é uma jovem em busca de um recomeço, uma característica significativa por si só, mas o final certamente teria mais impacto se tanto Catarina quanto Francisco fossem desenvolvidos mais a fundo. Assim, mesmo com ritmo, tom e estética que impedem a narrativa de soar vazia, Terminal Praia Grande perde a chance de se tornar substancial.
Filme visto no 21º Festival do Rio, em dezembro de 2019.