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    Casa Gucci
    Críticas AdoroCinema
    3,5
    Bom
    Casa Gucci

    Loucura cativante

    por Kalel Adolfo

    Aos 83 anos de idade, Ridley Scott está vivendo um novo ápice criativo em sua carreira. Em outubro, o cineasta entregou O Último Duelo, épico que lança um olhar brutal acerca do patriarcado. E apenas um mês depois, Scott retorna com um de seus projetos mais excêntricos: Casa Gucci.

    Altamente aguardado pela crítica e público, o longa vinha sendo apontado como um dos grandes concorrentes para a próxima temporada de premiações. A realidade é que Casa Gucci está longe de ser uma produção excelente. Porém, ele oferece uma deliciosa — e esquisita — jornada sobre a construção de um dos impérios de moda mais renomados da história.

    Ambição, corrupção, ganância, traição e vingança: todos esses temas coexistem no universo do filme. A obra opera como uma grande novela, repleta de arcos que vão do ''camp" ao melodrama em um piscar de olhos. Mas apesar de ser autoconsciente em toda a sua irreverência, o filme perde o seu fator cativante ao tentar abraçar tons narrativos variados. Aliás, esse é o maior problema do projeto: a falta de foco.

    Enquanto o primeiro ato acerta todas as notas para criar uma história ácida, hilária e fashionista, os outros capítulos da trama tentam trazer uma certa sobriedade a um evento que exala energia caótica e bizarra. Ridley não consegue capturar o espírito espalhafatoso presente no caso verdadeiro. Consequentemente, a experiência acaba sendo insuficientemente “camp” e desnecessariamente séria. 

    Com um caso tão controverso em mãos — que marcou a cultura tanto quanto o assassinato de Gianni Versace — as possibilidades são infinitas. Não há espaço para timidez narrativa, pois o absurdo é bem-vindo e coerente. Mesmo assim, o diretor decide explicar fraudes financeiras, conflitos contratuais e disputas de marca, elementos pouco atraentes perto de toda a loucura da família Gucci. 

    Com um elenco tão competente e disposto a se jogar na proposta — falaremos mais sobre isso em breve — é uma pena que o cineasta tenha decidido replicar o espírito cinzento de Todo o Dinheiro do Mundo (2017) ao invés de mergulhar de cabeça em sua fase glamourosa e cafona alá Ryan Murphy. Não se engane: Casa Gucci é ótimo. Mas o seu potencial não foi completamente explorado, já que este poderia facilmente ser um clássico escapista instantâneo.

    Elenco magnífico faz as quase três horas de duração de Casa Gucci valerem a pena

    De novela hollywoodiana a cinebiografia de crime real, Casa Gucci é uma bagunça maníaca. Alguns chegaram a classificar o projeto como “O Poderoso Chefão da moda", devido a sua vasta estrutura de arcos e extensiva duração de quase três horas. Pensar que um elenco seja capaz de acompanhar tamanhas modulações de narrativa é loucura. Mas aqui, os atores cumprem essa tarefa de forma brilhante.

    Adam Driver proporciona uma performance contida e tímida, que está sempre em constante equilíbrio e sintonia com a ferocidade da Patrizia Reggiani de Lady Gaga. Os dois possuem uma química inegável em tela, e assisti-los se conhecendo está entre os meus momentos cinematográficos favoritos do ano. A ascensão e decadência deste relacionamento é desenvolvida com um humor inteligente, que está sempre em uma perfeita linha tênue entre o interesse e o romantismo.

    Como Aldo Gucci, Al Pacino evoca o espírito de seus icônicos papéis em clássicos da máfia como The Godfather e Scarface, mas com uma dose extra de carisma que nos cativa desde a sua primeira aparição. Jeremy Irons também impressiona interpretando o amargo e conservador Rodolfo Gucci, pai de Maurizio.

    E claro, é impossível não citar Jared Leto, que embarca em um dos papéis mais selvagens e geniais de sua carreira. Apesar de seu personagem — Paolo Gucci — destoar do restante do elenco, sendo um fator de distração em inúmeras sequências, a sua presença é indispensável para fortalecer a veia cômica e positivamente ridícula do longa. Contudo, mesmo diante de um elenco de estrelas consolidadas da sétima arte, é Lady Gaga quem domina Casa Gucci.

    Lady Gaga crava o seu espaço como estrela indiscutível do cinema

    Se Lady Gaga é uma revelação em Nasce uma Estrela, Casa Gucci mostra que ela é a atração principal.  Mesmo jogando olhares mortais sobre os personagens, tomando xícaras luxuosas de caffè espresso ou recitando a sua já icônica oração ‘Em nome do pai, filho e da casa Gucci’, a humanidade de sua personagem está sempre em evidência.

    Nós sabemos que Patrizia Reggiani é uma oportunista que — eventualmente — planejou o assassinato de seu ex-marido. Porém, a performance de Gaga é tão poderosa, que nós simpatizamos e entendemos as motivações de uma criminosa.

    Reggiani não é apenas uma alpinista social. Ela é uma mulher ambiciosa que, apesar de todas as suas atitudes questionáveis, está disposta a ter uma vida melhor. É impossível categorizá-la como “boa” ou “má”, e esse é o produto de uma atuação meticulosamente bem construída. E claro, é impossível se entediar com a atriz em tela, já que Lady consegue transitar de sonhadora de classe operária a mafiosa intimidadora que, eventualmente, se transforma em uma vítima de um império dominado por homens.

    A competição deve estar acirrada no ano que vem — com trabalhos fantásticos de Kristen StewartFrances McDormandJessica Chastain — mas Lady Gaga definitivamente merece o seu lugar entre as próximas estrelas indicadas ao Oscar.

    Montagem é um dos pontos mais problemáticos do filme

    Como citado inúmeras vezes, o lado cômico do filme é indiscutivelmente cativante. Mas quando o assunto é crime real e a construção do império Gucci, a direção, montagem e edição são insatisfatórias. Há saltos temporais inexplicáveis, e arcos importantes — como a investigação que levou Patrizia Reggiani a ser condenada a mais de vinte anos de prisão — são deixados de fora do roteiro.

    Um dos momentos mais irreverentes do projeto — que envolve a descoberta de falsificações das imponentes bolsas Gucci — é cortado abruptamente, não dando espaço para que entendamos a verdadeira gravidade daquilo. Isso se repete inúmeras vezes, fazendo com que a única qualidade imutável da produção seja o elenco, que realiza a árdua tarefa de trazer entretenimento em momentos descartáveis ou apressados. 

    Com a janela curta entre a gravação — que começou em meados de março — e o lançamento em novembro, não é difícil pensar que a finalização e aperfeiçoamento da história tenham sido acelerados e prejudicados em detrimento da temporada de premiações.

    Aspectos técnicos poderiam impressionar mais em um filme como Casa Gucci

    Um filme tão centrado na moda e poder deveria exalar glamour e sofisticação. Porém, esse ponto é preenchido apenas com os figurinos. Infelizmente, as cenas externas — filmadas em regiões da Itália como Vale de Aosta, Milão e Toscana — não transmitem toda a beleza destes locais. É decepcionante ver ambientações tão hipnotizantes — que poderiam potencializar a aura luxuosa de Casa Gucci — serem pouco exploradas.

    Camp, crime real, filme de máfia, drama familiar: Casa Gucci é todas essas coisas. Infelizmente, a obra não abraça completamente a sua ridicularidade, e acaba optando por caminhos seguros que impedem a história de realmente enlouquecer a audiência. Mesmo assim, com todas as suas qualidades e defeitos, a nova produção de Ridley Scott é um espetáculo peculiar que será lembrado por muitos anos adiante, seja por bem ou mal.

     

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