Ninguém aprendeu a lição sobre abrir livros amaldiçoados. Ainda bem.
por Aline PereiraQuando surgiram as primeiras notícias de que A Morte do Demônio ganharia um novo filme, o ator Bruce Campbell (astro da trilogia original que começou em 1981) afirmou: “sem mais cabanas na floresta”. Na época, foi difícil imaginar uma história da franquia sem a casa sinistra em um ambiente ainda mais sinistro – o cenário sempre foi quase um personagem com vida própria e parte intrínseca do horror. Em 2023, o diretor (e fã, isso fica claro) Lee Cronin mostrou que, talvez, essa fosse justamente a atualização de que Evil Dead precisava: às vezes, nada pode ser mais assustador do que a sua própria casa.
A história de A Morte do Demônio: A Ascensão começa quando Beth (Lily Sullivan), após um resultado positivo inesperado para gravidez (o terror para ela já começa aqui), decide visitar a irmã, Ellie (Alyssa Sutherland, atriz de Vikings). Abandonada pelo marido, Ellie cria os três filhos sozinha em um pequeno apartamento e carrega um ressentimento com Beth, que andava afastada da família em momentos difíceis para as duas.
O reencontro que já era tenso o suficiente – e cheio de coisas não ditas e mágoas antigas – fica ainda pior quando os filhos de Ellie encontram um livro amaldiçoado, decidem abrir e ler um punhado de palavras desconhecidas. Pois é, não importa o quão moderna seja a versão de uma história de terror, o “desconfiômetro” sempre falha e todo o mal do mundo é liberado. É exatamente isso o que acontece aqui e junto com o DNA de A Morte do Demônio, o quinto filme da franquia une o Necronomicon a novos elementos que são fundamentais. Não é difícil prever, logo de cara, como a trama vai terminar e tudo bem: a jornada é divertidíssima.
Bruce Campbell, produtor-executivo do filme de 2023 (que foi supervisionado pelo criador franquia, Sam Raimi), estava dizendo a verdade. A "cabana na floresta" – termo que, de tão explorado, se tornou um subgênero do terror – saiu de cena para ser substituída por um apartamento. Em uma franquia na qual a ambientação é parte viva da história, a mudança é importante e foi bem-sucedida aqui porque mantém a tradição de ter o cenário como parte do horror, mas com um ar mais fresco.
“É fácil fazer sua imaginação te assustar quando você vai para uma cabana sinistra, mas quando está em sua própria casa e as coisas começam a dar errado, é devastador”, disse o diretor Lee Cronin em entrevista ao AdoroCinema. Esse clima de devastação funciona com quem está assistindo. Ainda que consigamos prever muitos dos momentos de susto, a tensão de estar preso no lugar que deveria significar proteção é agoniante – especialmente porque itens até então inofensivos se tornam armas terríveis. De verdade, um ralador de queijo nunca mais vai ser a mesma coisa depois daqui.
A Morte do Demônio. A Ascensão faz bom uso da fórmula de sucesso da franquia porque aproveita o que ela tem de melhor a favor da própria originalidade
Dessa forma, enquanto a clássica cabana na floresta assusta porque provoca uma sensação de isolamento em que não há nada e nem ninguém a quem pedir socorro, no “apartamento amaldiçoado" as saídas estão sempre muito próximas, mas parecem inalcançáveis – é a agoniante sensação claustrofóbica de estar a uma porta de distância da salvação, mas não saber como abri-la. Nada mais aflitivo do que um elevador com defeito.
Tanto Beth, quanto Ellie estão lidando com aspectos particulares da maternidade: uma vive o momento de choque ao descobrir que vai ser gerar uma vida, a outra carrega emocionalmente o peso de ser a única responsável pelo bem-estar de três crianças. Embora sejam, é claro, momentos muito diferentes de vida, há um ponto em comum importante: o medo de não conseguir dar conta de tudo. Em meio ao (ótimo, impressionante e indispensável) banho de sangue, esse ponto é a maior conexão com a “vida real”, é fácil entender as duas e se colocar no lugar delas, de alguma forma.
“Mães não só temem que seus filhos sejam machucados, mas que elas mesmas sejam as pessoas que vão acabar os machucando”, disse Alyssa Sutherland ao AdoroCinema, em uma reflexão que tem tudo a ver com a história apresentada no longa. Mais do que isso, todas as pessoas daquele núcleo familiar se amam e o pavor de ter que escolher quem será salvo e quem precisa ser deixado para trás é interessante porque não precisa de muita explicação para ser suficientemente convincente.
Olha só, não é que o filme se proponha a fazer uma grande análise ou uma reflexão profunda cheia de camadas metafóricas sobre família ou maternidade (e isso não é um problema), mas o tema está lá e é uma ótima “cola” para a ação e para o massacre que caracterizam os filmes de A Morte do Demônio. A Ascensão faz bom uso da fórmula de sucesso da franquia porque aproveita o que ela tem de melhor a favor da própria originalidade.
Nada menos do que seis mil litros de sangue foram utilizados nas filmagens de A Morte do Demônio: A Ascensão e você vai sentir cada gota dele durante a sessão. Para os fãs antigos da franquia, a visão dos personagens completamente cobertos de vermelho é quase um conforto (por mais estranho que isso possa parecer) e esse exagero esperado complementa todos os outros.
A sensação é de que o filme de 2023 estica um pouco mais a corda do absurdo do que a produção anterior, de 2013, por exemplo, e mantém a criatividade na tortura. Cacos de vidro, olhos furados, facões e todos os outros mecanismos básicos para causar aflição estão lá. A extravagância causa o resultado esperado e talvez a melhor característica de A Morte do Demônio: nos fazer rir de nervoso. E a verdade é que isso é o suficiente.
A franquia retorna em um momento em que talvez seja muito útil se deixar entreter com o absurdo de vez em quando. O longa não parece querer reinventar as regras do terror, nem romper totalmente com o passado e se permite ser clichê em alguns momentos sem tentar disfarçar demais. Uma final girl durona com uma motosserra na mão e uma chuva de sangue são um bom passatempo para quem se diverte com filmes de terror.