História de origem na Marvel apresenta super-heroína "comum", mas que encontra charme na normalidade
por Nathalia JesusA estreia de Dakota Johnson no universo de personagens da Marvel (e, nos cinemas, da Sony) foi tão confortável de assistir que é quase possível fugir do fantasma da “fadiga de super-heróis”. O referido cansaço ao gênero também parece beneficiar Madame Teia, uma vez que o espectador pode sentar na poltrona com expectativas nulas ou negativas e sair da sessão com algum nível de satisfação nessa experiência. Quando pouco se espera, o que vem é lucro.
Para os que caíram de paraquedas em mais uma história derivada dos quadrinhos da Marvel, Madame Teia nos apresenta a Cassandra Webb (Dakota Johnson), uma paramédica de Manhattan cuja vida normalíssima é afetada após sofrer uma experiência de quase-morte e descobrir que se tornou clarividente. Com o poder, vem grandes responsabilidades: ela se vê envolvida com três adolescentes ameaçadas pelo genioso Ezekiel Sims (Tahar Rahim).
As meninas em questão são Anya, Julia e Mattie, vividas por Isabela Merced, Sydney Sweeney e Celeste O’Connor, trio que também representam novos rostos neste universo, cuja humanidade é tão cativante que, unindo-se a uma heroína menos poderosa do se espera, traz um delicioso ar de normalidade à trama — e, com isso, demoramos a lembrar que é um filme de super-heróis.
Uma das grandes qualidades de Cassandra Webb é ser uma mulher comum e sem nenhuma força sobrenatural. Ela é movida por objetivos que nem ela mesma entende e, ao longo da trama, nos vemos aprendendo junto com ela sobre aquele capítulo menos conhecido — apesar de muito explorado nos cinemas — do universo de aracnídeos dos quadrinhos.
Dakota Johnson se encaixa muito bem no papel, a ponto de vermos sua persona atriz se desfazendo para dar lugar a Cassie. A protagonista tem um magnetismo por sua personalidade taciturna que, apesar de sombria, não demonstra indiferença pelo o que a cerca. Pelo contrário. A personagem titular não precisa apelar para caricaturas para soar fria — e, mesmo assim, nada em seu comportamento distante a torna apática. São nuances que foram bem desenhadas na atuação da estrela de Cinquenta Tons de Cinza.
Aquela personagem com quem não temos nenhuma conexão acaba se tornando alguém com quem nos importamos e fica claro que isso não é um mérito só de Dakota Johnson. O contraste da personalidade de Cassandra Webb com as três adolescentes é o que torna a química do quarteto tão boa em tela e, de certa forma, impõe mais relevância na protagonista que, literalmente, sequer solta uma teia.
É um pouco incômodo que as três jovens do filme pareçam muito mais uma caricatura do que adultos acreditam que adolescentes sejam. Além da limitação imposta pelo o que os mais velhos adoram chamar de “aborrescentes”, o trio ainda tem suas histórias pessoais salpicadas rapidamente pela trama, sem, necessariamente, ter seus perfis psicológicos minimamente expostos. Quando finalmente revelam seus traumas familiares, é muito sucinto. É como se nos dissessem para pararmos de procurar sentido em três menores de idade soltas pelo mundo, e em perigo, sem receber nenhuma ligação dos pais ou da escola.
Inclusive, racionalizar excessivamente um enredo derivado da história em quadrinhos da Marvel é o que pode acontecer com frequência em Madame Teia — novamente pelo caráter tão comum, tão “pessoa normal”, da protagonista. “Quem fez o uniforme de super-heroína delas? De onde veio o dinheiro para esses itens aparentemente caros? A Cassandra foi demitida depois de faltar ao emprego por tantos dias?” são questões fúteis que, normalmente ignoradas em outros filmes de heróis, passam pela nossa cabeça. É quase como se, no fim de tudo, tivéssemos nos tornado íntimos da personagem de Dakota Johnson.
Tahar Rahim dá vida ao que aparenta ser um “Homem-Aranha do mal”. O vilão é imponente e determinado, mas nada parece muito claro sobre ele — desde o seu grandioso potencial (físico e aquisitivo) até os objetivos que o guiam nessa jornada. A gana com a qual mira em sua meta soa assimétrica quando colocamos em perspectiva que as supostas ameaças dele são, literalmente, três estudantes do ensino médio e uma paramédica clarividente.
Os propósitos de Ezekiel tampouco se explicam ou são fortalecidos ao longo da trama, ao passo em que parece tudo muito gratuito e exasperado em sua ânsia de combatê-las. Se os quadrinhos explicam a razão de ser do personagem, o filme, como uma mídia a parte, não funciona tão bem nesse sentido.
Talvez os fãs das HQs da Marvel o conheçam por outros ângulos, mas o longa-metragem não conta tanto com a possibilidade de o espectador não ter nenhum conhecimento prévio sobre quem é o personagem de Tahar Rahim. Com objetivos pouco convincentes, o vilão não é tão cativante quanto poderia ser — e nem carismático o suficiente para que possamos comprar suas ideias e defendê-lo imprudentemente.
Para bom entendedor, meia referência basta e Madame Teia faz isso de maneira provocativa e, ao mesmo tempo, sutil. Temos elementos aqui e ali que nos lembram que estamos em um universo da Marvel e despertam a expectativa de que, a qualquer momento, teremos algum gostinho do tão querido Peter Parker. Apesar disso, o filme não permite que tais esperanças sejam postas na frente dos holofotes da personagem-titular — que em nenhum momento perde seu protagonismo, nem para coadjuvantes, vilão ou easter-eggs.
Há poucos dias, um dos personagens mais memoráveis — embora com estadia breve nas histórias do Homem-Aranha — teve seu nome revelado na ficha técnica do longa-metragem. A curiosidade acerca da personagem de Emma Roberts também motivou conversas entre os fãs dos quadrinhos. Por fim, o triunfo principal do filme não estava nesses detalhes “misteriosos”, mas na própria Madame Teia que, mesmo sendo menos conhecida pelo público geral, é capaz de sustentar nossa atenção nas quase duas horas de filme. E que bom!
Madame Teia não surpreende, mas cumpre decentemente o objetivo de fazer com que a personagem não nos desperte indiferença. É leve e, como uma história de origem, é expositivo na medida, mas não passa a segurança de que vai para nenhum lugar depois de seus minutos finais. Mas espero estar errada. Será um desperdício se colocarem Cassandra Webb no porão.