Pig
'Pig' é escrito e dirigido por Michael Sarnoski (em sua estreia na direção), a partir de uma história de Vanessa Block e Sarnoski. O filme é estrelado por Nicolas Cage como um caçador de trufas que vive sozinho no deserto do Oregon e deve retornar ao seu passado em Portland em busca da sua amada porca farejadora depois que ela é sequestrada.
'Pig' é totalmente fora do trivial, totalmente ambíguo, um drama muito subjetivo, sobre redescobertas e aceitações, sobre o medo e a dor, sobre o amor e a solidão, sobre perdas e recomeços, sobre traumas e realizações. Um filme melancólico, contemplativo, intrigante, niilista, carregado emocionalmente, pesado dramaticamente, que tem o dom de nos fazer pensar nas diversas camadas da vida do protagonista Rob (Cage). O longa é muito hábil, muito crível, muito verossímil na forma de abordar o roteiro, pois o roteiro é composto por algumas camadas que vamos analisando profundamente e descobrindo ao longo da trama. Temos uma rápida introdução nos elucidando sobre a vida atual de Rob e sua porca, quando de repente o roteiro muda a sua engrenagem e nos confronta diretamente com uma busca incansável pelo animal sequestrado, o fazendo enfrentar diversas partes de sua vida que ele havia deixado para trás e que ele não gostaria de revivê-la, e principalmente confrontar certas pessoas que ele também havia deixado em seu passado.
Este é o ponto de maior virtude e de maior destaque em 'Ping', a forma enigmática, subjetiva e intrigante que vamos descobrindo e pegando as coisas no ar, a forma que vamos desvendando tudo que está escondido nas entrelinhas do roteiro, tudo que está nos subtextos - é fantástico! Eu adoro filmes que nos faz pensar, que nos faz analisar cada ponto, cada detalhe, cada cena, cada diálogo, que nos deixa intrigado e nos expõe à diversos pensamentos e análises distintas. Outro ponto que me deixou perplexo e que elevou ainda mais a ótima qualidade do roteiro de Michael Sarnoski e Vanessa Block: partindo do princípio de um sequestro, que necessariamente teríamos a sede por vingança (como induz erroneamente o subtítulo do filme no Brasil), aqui temos uma outra releitura dos fatos, uma abordagem que se desenvolve como um drama psicológico minimalista, que nos direciona diretamente para esse outro lado do Rob em suas redescobertas, enfrentando seus traumas, suas nuances, explorando as marcas do seu passado e o quanto elas ainda o impactava em seu cotidiano presente.
'Pig' é um enorme trabalho na carreira do Nicolas Cage, pois ao longo dos anos muitas pessoas o viam como uma espécie de piada, por se tratar dos inúmeros filmes ruins que ele fez ao longo dos anos, principalmente após ter ganho o Oscar por "Despedida em Las Vegas". Realmente a carreira cinematográfica do Nicolas Cage vive de altos e baixos, muito se deu pelos vários problemas pessoais que ele enfrentou ao longo de sua vida. Tanto é que ultimamente ele simplesmente decidiu fugir dos holofotes e das badalações das grandes produções hollywoodiana e mirar em projetos menos milionários, mais certeiros eu diria, exatamente como 'Pig'.
Em 'Pig' Nicolas Cage tem uma entrega absurda, uma belíssima atuação como eu não via ele entregar há muitos anos. Muitos estão considerando como a sua melhor atuação da carreira, o que de fato não acho nenhum absurdo, mas eu particularmente não gosto de fazer esta afirmação, uma vez que eu não conferi todos os seus trabalhos. Mas de fato é um grandioso trabalho de interpretação do Cage, muito seguro, muito coeso, com uma carga dramática bem ajustada e um ar totalmente introspectivo na medida certa. Cage sempre foi um grande ator, já esteve no hall dos maiores atores da sua geração, sempre teve muita entrega e um grande potencial, às suas escolhas que não foram as mais acertadas ao longo de sua carreira, mas quando assistimos trabalhos como 'Pig' isso só evidencia o grande ator que ele sempre foi. Cage esteve indicado no Critics' Choice Movie Award na categoria de Melhor Ator (concordo plenamente).
Completando o elenco de 'Pig' ainda tivemos a ótima apresentação de Alex Wolff como Amir. Um filhinho de papai totalmente ao inverso de Rob, por ostentar roupas de grifes e um carrão, quando na verdade Rob era um sujeito que não dava a mínima para a sua aparência, já Amir fazia questão de sempre se exibir muito bem vestido. Um contraponto perfeito do roteiro ao colocar frente a frente o Rob e o Amir, ainda mais quando o Rob necessitava da ajuda de Amir pela busca da sua porca, ou seja, mais uma forma de nos explicitar as diferentes formas de abordagem do roteiro em relação as diferentes classes sociais, ou a colocação de cada um na sociedade atual, muito pelas escolhas individuais de cada um, como no caso do próprio Rob e seu trauma do passado.
Alex Wolff já havia brilhado em "Hereditário" e aqui ele dá mais um show, mais uma grande apresentação, nos mostrando aquela desconstrução e aquela descaracterização do seu personagem ao final (aquela cena do jantar com o pai é incrível).
Adam Arkin (Grey's Anatomy) está muito bem no filme, seu personagem Darius é bem asqueroso e de certa forma até doentio. Toda aquela cena do jantar junto com Amir e Rob, e principalmente as revelações subsequentes são um dos pontos alto do filme - realmente um show dos três em cena. Estes três pra mim foram os de maiores destaques dentro do elenco, o restante contribuíram bem em cada personagem e engrandeceram ainda mais à obra.
A fotografia do longa é muito boa, salta ao nossos olhos, principalmente nas partes densa da névoa sombria da floresta aonde vivia Rob e sua porca. A trilha sonora agrega muito bem na trama, aquela típica trilha sonora que não é uma obra-prima mas está bem inserida nos momentos mais oportunos, cujo os momentos sempre nos evidenciava com um acontecimento e aquela trilha sonora mais pacata de fundo. A direção de Michael Sarnoski é muito boa, ainda mais para um estreante. Sarnoski soube pegar os ângulos mais certeiros das cenas, onde nos elucidava cada acontecimento com detalhes mínimos, principalmente aqueles takes onde a câmera passeava de dentro para fora de um cômodo - ótimo mesmo o seu trabalho na direção do longa, tem muito futuro pela frente.
'Pig' foi indicado no Gotham Independent Film Award e Directors Guild of America Award na categoria de Melhor Filme, além da indicação do Nicolas Cage de Melhor Ator no Critics' Choice, e ganhou o Independent Spirit Award de Melhor Primeiro Roteiro.[21/04/2022]