Batem na mesma tecla
por Lucas LeoneSe hoje todo mundo sabe o que é um plot twist ou se vale desse recurso em filmes e séries, foi M. Night Shyamalan um dos grandes responsáveis por torná-lo popular. Tudo começou com O Sexto Sentido (1999), cujo reviravolta final envolvendo o personagem de Bruce Willis fez do diretor, nascido na Índia e criado na Filadélfia, um nome reconhecido internacionalmente. Seu prestígio continuou em longas como Corpo Fechado (2000), Sinais (2002), A Vila (2004) e Fragmentado (2016). Mas, nos últimos 20 anos, o que era sua assinatura virou seu principal obstáculo.
É o que vemos mais uma vez em Batem à Porta. Depois de transformar a HQ suíça "Castelo de areia" em Tempo (2021), Shyamalan investe na segunda adaptação de sua carreira: o livro "O chalé no fim do mundo" (2018), de Paul Tremblay. Na trama, Andrew (Jonathan Groff) e Eric (Ben Aldridge) estão de férias com a filha pequena, Wen (Kristen Cui), em uma cabana na mata. A tranquilidade é interrompida quando um grupo de estranhos liderado por Leonard (Dave Bautista) chega ao local.
Armados, os invasores – são quatro ao todo, também interpretados por Rupert Grint, Nikki Amuka-Bird e Abby Quinn – entram à força na casa e fazem os hóspedes reféns. Eles então contam a Eric, Andrew e Wen sobre supostas visões que tiveram e que os conduziram até ali para obrigar a família a tomar uma decisão inimaginável: salvar a si mesmos ou deixar um dos três morrer para evitar o apocalipse?
A premissa soa bastante promissora, a começar pelo fato de que acabamos de nos recuperar de uma crise em escala global – a pandemia de Covid-19. Se algo ficou nítido nos últimos três anos, é que as escolhas de uma única pessoa podem colocar em risco toda a humanidade. Em Batem à Porta, a ideia de que somos dependentes uns dos outros é levada ao nível mais extremo: o do sacrifício humano literal.
Em segundo lugar, podemos destacar o protagonismo gay em um filme de terror psicológico. O cenário já era aterrorizante o suficiente, mas ganha uma camada ainda mais surpreendente quando traz para o debate os traumas vividos pela comunidade LGBTQIAPN+. É ao mesmo tempo difícil e esclarecedor ver que a primeira reação do casal Eric e Andrew diante da invasão é achar que se trata de um crime de ódio.
Por boa parte da história, eles acreditam que os desconhecidos são homofóbicos determinados a submetê-los a uma "terapia de conversão" ou simplesmente exterminá-los por serem quem são. Antes sequer de cogitarem um sequestro, Eric e Andrew são condicionados pelas agressões que sofreram no passado – até dos próprios pais – e que deixaram feridas abertas. Assim, mesmo com o fim do mundo em curso, Batem à Porta nos lembra que os gatilhos causados pelo preconceito são bem maiores, bem mais fortes.
Se o futuro da humanidade pode estar no colo de uma única pessoa, o sucesso de um filme pode ser comprometido em razão de seu desfecho. É o que acontece na nova obra de Shyamalan. Assim como em Tempo e A Visita (2015), o plot twist, que seria a grande sacada, acaba se revelando uma solução fácil e menos chocante do que imaginávamos.
Para os que têm o costume de assistir aos projetos de Shyamalan, seu modus operandi fica cada vez mais explícito e decifrável, de modo que nossas expectativas se dissipam ao longo da trama. Não é que sabemos exatamente como vai terminar ou que não existem momentos impactantes; é o fato de que todas as arestas são fechadas em um terceiro ato apressado, o que nos faz duvidar do que vemos, nos tira da imersão que vinha sendo construída por mais de uma hora.
Apesar dessa suspensão nos minutos finais, não há como negar que Shyamalan se mantém fiel ao cinema que sempre praticou, isto é, produções menores, de orçamento reduzido e muitas vezes independentes (embora distribuídas por estúdios grandes).
Batem à Porta custou US$ 20 milhões, quantia que já recuperou em menos de uma semana em cartaz – são mais de US$ 21 milhões até agora. Para se ter uma noção, Avatar: O Caminho da Água, que está em sua sétima semana, custou entre US$ 350 e 460 milhões.
É claro que não estamos comparando os dois filmes – nem o lucro que vão ter. O ponto aqui é a capacidade de Shyamalan realizar obras visualmente interessantes com bem menos dinheiro do que se poderia esperar. Ele sabe criar suspense com sua câmera, sabe fazer o espectador mudar de ideia, sabe engajar o público na história. Mas o risco é alto de tudo isso ser ofuscado por uma reviravolta simples para o padrão que Shyamalan já demonstrou ter.
Se podemos citar um acerto, é Dave Bautista. O ator e ex-lutador profissional, que este ano se despede do personagem Drax, da franquia Guardiões da Galáxia, tem mais uma chance de provar seu talento para papéis dramáticos. Em Glass Onion: Um Mistério Knives Out, disponível na Netflix, ele tinha mostrado um pouco de sua nova faceta fora da Marvel. Agora, em Batem à Porta, ganha muito mais tempo de tela para fazê-lo, desconstruindo totalmente a casca grossa que o gênero de ação lhe impôs.
Quanto a Shyamalan, parece estar batendo na mesma tecla. É uma tecla que às vezes funciona – e muitíssimo bem –, mas às vezes emperra no clichê. Seu novo filme funciona ao levantar discussões pertinentes sobre a homofobia em nossa sociedade e o papel que cada um pode (ou deve) exercer dentro do todo. No entanto, o longa emperra ao tentar solucionar a si mesmo com descobertas no banco traseiro de um carro.
Não temos David (Bruce Willis), Kevin (James McAvoy) nem o Sr. Vidro (Samuel L. Jackson) em Batem à Porta. Não são os super-humanos de Shyamalan os protagonistas aqui. Este talvez seja o melhor plot twist: o destino da humanidade está nas mãos de um casal gay!