Sobra cor, falta alma
por Barbara DemerovOs primeiros minutos de Afterlife já poderiam formar um curta-metragem por si só. Ao apresentar rapidamente a personagem principal, a trágica situação que ela precisa encarar ainda na adolescência e a "solução" um tanto maluca que acaba por mover a trama, o filme de Willem Bosch não tem dificuldade alguma em ambientar o espectador no universo fantasioso que o mesmo se encontra, mas ao mesmo tempo peca por não desenvolvê-lo a fundo, sendo as cores e as imagens o maior destaque.
As questões imagéticas do longa - que não sabe se encaixar nem como comédia, nem como drama - não trazem deméritos à história, mas simultaneamente a limitam de se subir um degrau rumo a um resultado mais poético e menos clichê. É curioso observar que, após os aproximados 20 minutos que abrem Afterlife, a história não progride muito e apresenta mais elementos do que pode lidar enquanto narrativa cinematográfica, pois apenas exibe locais e desdobramentos relacionados à reencarnação que não adicionam nada ao íntimo de Sam (Sanaa Giwa).
É o caso do Além, por exemplo. Quando a protagonista perde a mãe e, logo em seguida, também morre, é levada por um anjo bem-humorado que já estava lhe observando em vida para um local que se parece muito como uma cidade grande, com estações de trem, altos prédios espelhados e um grande clima de festa na nova residência da falecida mãe. Este local é a nova casa daqueles que não optaram por reencarnar à Terra e que esperam por seus familiares, da mesma forma que os vivos esperam reencontrar seus entes queridos algum dia. Por mais interessante que toda a situação pareça ser, todo e qualquer embasamento para por aí: em sua apressada apresentação.
Logo após Sam conhecer o que há no pós-vida, ela é enviada de volta para sua mesma vida, começando tudo de novo, desde que nasceu. É criado, então, um looping que apenas serve para nos apresentar o conceito de que as pessoas optam por voltar às suas vidas para tentar mudar determinadas situações do passado - e que bebês já estão cientes de seus recomeços ainda no hospital. Mas, ao contrário do que é o esperado com relação à personagem, ela não tem a chance de evoluir, pois é ofuscada por outras questões que o roteiro incrementa, como os reais problemas que sua mãe enfrentou antes de morrer. Sam praticamente some da tela a partir do momento em que retorna à Terra; e seu entorno não pode ser devidamente aproveitado pois não há uma elaboração prévia das circunstâncias, assim como não é possível sentir uma ligação consistente com a personagem, pois a atuação de Giwa é contida tanto em expressões quanto em substância.
Com maiores preocupações de ser um filme leve com cores vibrantes e uma trilha-sonora praticamente sempre presente, Afterlife também é um filme sobre a vida após a morte, o luto de uma filha que precisa ir e vir para entender o que fez sua mãe partir, e o entendimento de que a vida é o que fazemos dela. É visível a vontade do diretor em abraçar o máximo dentro de dois universos mal trabalhados, mas o principal é deixado de fora: a aproximação de uma garota que precisava sentir seu luto, mas ao invés disso é colocada em uma espiral de eventualidades que não se explicam.
Filme visto na 43ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, em outubro de 2019.