Filme “Não se Preocupe, Querida” e a vida cibernética
Um filósofo atual que trata do tema da cibernética é Pierre Levy, sendo que ainda outros observam o momento atual com desconfiança, como Zizec, Bauman e outros. O filme “Não se preocupe, querida” está em um nível de Matrix, Show de Truman, Blade Runner e outros, mostrando mulheres em uma vida dos anos 40, para servir maridos e ficarem presas a um serviço e operação secreta militar no deserto. Os maridos saem para trabalhar, as mulheres cuidam dos filhos, da casa e do almoço: por si só isso já seria uma distopia patriarcal. Mas o foco do filme é
um simulacro da realidade, parecendo à cidade onde moram aquelas de testes nucleares americanos.
“Não se preocupe, querida” tem um primeiro choque quando a protagonista Alice,
vê imagens estranhas, bem como começa a questionar após ver uma queda de avião do céu, além de uma amiga e vizinha ter se suicidado, ou ferido a si mesma, em crise existencial. A realidade por ser um choque, entre o real e o imaginário, entre o real e o virtual. Vivemos em gaiolas mentais fabricadas pela família, pela cultura, pela religião e tudo mais. As mulheres parecem terem sido as maiores vítimas dessas manipulações comportamentais. O corpo se torna o escravo, seja dos maridos, seja dos pais ou da religião e sociedade. Nos anos 50 havia uma grande libertação das mulheres, seja pela pílula, seja por começarem a trabalhar fora. Parece o filme mostrar uma vida ou sonho americano perfeitos nessa dinâmica, misturado a um serviço militar secreto e um período de pós Segunda Guerra. Acaba no tema feminista, que parece transparecer na mulher que desafia o marido, que não quer ser escrava no amor e casamento. O livro “She: a chave da psicologia feminina” mostra esse universo feminino voltado para o amor e o casamento, como espécie de iniciação a vida plena. Desconstruir o que a mulher era obrigada a fazer era necessário para reconstruir a mulher na sua essência.
Mas a temática do filme começa a se desvelar quando mostra o casal no mundo real, ou a médica ao tratar Alice. Ela é médica dela mesma. O mudo que ela vivia era cibernético e virtual, um simulacro de uma vida noutro tempo, no passado onde a mulher não questionava, não pensava, não estudava, não trabalhava. Alice assim descobre de onde vêm as imagens que aparecem nas suas lembranças, quando no mundo perfeito. Também o filme é curioso pelo que não diz, abrindo a possibilidades que podem ser explicadas em outro filme, como já fez um Cubo, por exemplo. Muitas vezes vivemos algo semelhante em nossos celulares, em mundo cibernético e “perfeito” que nos coloca na morte ou em coma, para a vida realmente real, dos sentidos, de pessoas próximas, amigos legítimos e um amor de real entrega. Talvez sejamos cobaias de um sistema planejado, para nos manipular, como a Alice no filme, que descobre um pouco tarde, mas que coloca em caos toda a jogada do governo e poder militar. Esse é o papel de uma disposição filosófica, é desvendar esse mundo de ilusão e manipulação. A vida cibernética nos mescla com as máquinas e nos torna obsoletos, mas ao mesmo nos desperta para desafiar esse sistema comportamental e figurativo.
Mariano Soltys, filósofo e advogado, autor de livro Séries e Filosofia