Se uma mulher é naturalmente rival de outra, o que secretamente e mutuamente desejam mães e filhas?
"Autumn Sonata" (1978), foi o último filme realizado por Ingmar Bergman para o cinema, o que sucedeu após este foram vídeos para a TV. Porém, não se esboça nessa ultima película qualquer saudosismo, ao contrário, é um reencontro há diversas características que marcaram o célebre diretor sueco.
Tais como, sua forte relação com o teatro, com os atores, na utilização de símbolos e metáforas, na simplicidade de suas locações (que ele transforma em uma grande vantagem), o caráter psicológico na formação e nas relações humanas, mulheres marcantes e desafiadoras, a expressividade de um rosto em seus close's e big close's e o quanto fala ou até mesmo grita os momentos de silêncio, os momentos em que o não verbalizar sugere tantas coisas. Tal como na cena onde Eva (Liv Ullman) toca algumas notas no piano para a sua mãe, Charlotte (Ingrid Bergman), um momento magistral e antológica, na força e expressividade de duas atrizes que não dizem nada em cena, mas sugerem um universo de rivalidades, desconhecimentos e angústias numa (não) relação de mãe e filha.
Autumn Sonata" é um trágico fardo da emoção humana, e é em sua maior parte, um drama de confissões entre duas mulheres, que dialogam uma para a outra, o que acaba por gerar uma certo ruído monocórdio a produção, principalmente pelo sútil embate do jogo das aparências, dominarem grande parte do filme, o que talvez tenha sido elaborado na tentativa de gerar um frenesi no público para o momento ápice, o que não é necessário ou até mesmo não funciona, pois, na carta convite, escrita por Eva e no monólogo de abertura realizado pelo marido de Eva, já fica claro, que ali, será um local para acerto de contas.
Além de sua alusão musical, o título do filme mantém a pista de outro ponto central: a ideia de estações e ciclos. É nítido a referência dessa mudança de estações na fotografia de Sven Nykvist que colabora com sua paleta pálida e lavada e sem grandes dependências da luz artificial, lâmpadas e velas, chamam a atenção para o frio do inverno. No entanto, no que parece ser uma contradição, muitas das cenas de Nykvist são guirlandas com flores. Eles aparecem em dezenas de cenas. Normalmente associada à primavera, a presença das flores é uma lembrança clara da natureza cíclica da vida e das nossas relações com os outros. O frio passará, sugerem as flores, só precisamos suportar isso durante o inverno.
Cheio de emoção angustiante e visão agonizante, "Autumn Sonata" oferece um exame metodicamente potente da dor que escolhemos para manter dentro, e as cicatrizes que ficam conosco como resultado. Como a maioria dos filmes de Bergman, a imagem está repleta de questões existenciais e reflexões sombrias, investigando profundamente os mistérios dos desafios inerentes à vida, e dependendo da interpretação, o final pode oferecer algum nível de otimismo e catarse, o humor elegíaco do filme e confissões quase impossíveis de odiar e indiferença permanecem irrevogavelmente assombrando.
Uma outra característica que Bergman sempre soube utilizar, foi a sua total compreensão de que ao final, um filme acaba sendo sempre dos atores, são eles que serão o rosto e a memória do filme e a eles cabem a capacidade de gerar ou não reciprocidades com o público. Assim, Bergman é sem dúvidas o diretor, mas no final, são Liv Ullman, Ingrid Bergman e Lena Nyman que tocam a Sonata.