A vida, o universo e tudo mais
por Barbara DemerovAnimações em que crianças passam por situações de "adultos", tais como a necessidade de se fazer escolhas e entender que as responsabilidades devem ser levadas a sério, já são um tanto recorrentes no cinema brasileiro. O Menino e o Mundo e Tito e os Pássaros são bons exemplos de que é importante trazer histórias para as crianças de uma forma menos didática e mais contemplativa, a fim de que este público entenda um pouco melhor que o mundo é muito maior do que parece ser. O cinema de animação, assim como o cinema como um todo, é uma janela para novas perspectivas e ideias, não importando seu público.
Perspectiva, inclusive, é uma palavra recorrente em Miúda e o Guarda-Chuva, filme que possui traços infantis em cada cena colorida e bem desenhada, mas ao mesmo tempo garante a contemplação de um público mais adulto partindo de uma trama simples: Miúda, uma garotinha prestes a completar 7 anos, se vê dependente de sua planta carnívora que nunca a chama pelo nome e pede cada vez mais por alimento - no caso, formigas. Essas formigas, cansadas e com medo de serem as próximas refeições da planta, armam um plano para que sobrevivam e que faça Miúda ver a vida com outro olhar.
O tom poético permeia a trama do início ao fim, seja com os diálogos que não se assemelham ao comum quando se trata de animações (possuindo, inclusive, alguns monólogos também) ou com a imaginação de Miúda e os desdobramentos do plano das duas formigas - uma branca e outra azul. Por mais pessimistas e completamente filosóficas que sejam, as formigas nunca desistem de seus planos de alcançar Miúda e tentar salvar a população que vive no jardim. Através destas personagens aparecem os diálogos mais interessantes sobre vida e morte, e mais um tom entra no palco: o fantasioso, pois os planos mirabolantes que envolvem o guarda-chuva do título são bem divertidos e, claro, carregam uma parcela de seriedade e também.
A relação entre a planta carnívora e Miúda não deixa de ser bonita; afinal, a menininha a salvou da fome e, por isso, se sente responsável por trazer todos os tipos de formiga à sua companheira verde. No entanto, Miúda vai passando a sentir uma grande vontade de saber que tipos de perspectivas existem para além da sua janela, e isso deixa a planta um tanto desconfortável - e o que antes era uma preocupação apenas com relação à comida, aos poucos a carnívora percebe o quão importante é sua relação com a criança.
O estilo de poesia falada faz com que a narrativa soe um pouco mais arrastada que o normal para uma animação infantil, mas a excelente dublagem (especialmente de Miúda, feita por Luana Carrera) traz elementos brasileiros que fazem com que Miúda e o Guarda-Chuva seja muito cativante. Há até a adição de viagem no tempo, sendo essa mais uma ferramenta para o filme ensinar às crianças que toda escolha importa. No todo, este é mais um exemplar de animação que funciona para crianças e adultos, ainda que não acerte 100% estes públicos separadamente. As crianças ainda podem não entender a trama totalmente, e os adultos podem não se divertir tanto assim.