To Leslie
"To Leslie" é dirigido por Michael Morris, com roteiro de Ryan Binaco ("3022"). O filme é estrelado por Andrea Riseborough como Leslie Rowland, uma mãe solteira que se volta para o alcoolismo depois de usar todo o prêmio em dinheiro que recebeu depois de ganhar na loteria. Ela logo encontra a chance de mudar sua vida quando o dono de um motel lhe oferece um emprego.
O diretor Michael Morris já tem um certo tempo de carreira, já trabalhou como ator, roteirista, diretor de séries, mas nunca dirigiu um longa-metragem. Desde 2008 ele já dirigiu séries como "Brothers & Sisters", "Smash", "Kingdom", "House of Cards" e "13 Reasons Why". "To Leslie" marca a sua estreia na direção.
Temos aqui um filme indie que vem chamando bastante atenção mundo afora, vem ganhando notoriedade e sendo base de algumas discursões. "To Leslie" é uma produção independente, corajosa, audaciosa, que traz no centro da discursão a figura de uma mãe que busca incansavelmente a redenção depois de ter arruinado toda a sua vida. Logo no início podemos observar como o roteiro quer nos elucidar sobre aquela história, quer nos trazer para dentro dela, para que possamos sentir todo o peso da vida de Leslie. Obviamente estou me referindo à todo o contexto dos créditos iniciais, que nos mostra fotos do seu passado familiar para nos contextualizar sobre toda sua história. Esta é uma decisão bastante interessante do roteiro, querer nos contar mais a respeito de quem foi Leslie, isso logicamente vai nos dar um ponto de partida e vai ajudar muito na sintonia e no laço que poderá se criar entre ela e o espectador.
Por outro lado eu acho que faltou uma abordagem e um aprofundamento maior justamente na parte inicial, partindo exatamente da ponto onde mostra Leslie ganhando os $ 190.000 da loteria. Acredito que poderiam ter frisado mais esta parte da história, nos mostrar como Leslie esbanjou todo o seu dinheiro, isso daria mais profundidade em seu arco de redenção.
"To Leslie" nos mergulha em uma história com um peso muito grande, um drama familiar muito forte, com um fator emocional elevado, que envolve diretamente a decadência total do ser humano e logo após a sua redenção. Leslie mostra toda sua fragilidade e vulnerabilidade de uma alcoólatra problemática, de uma mulher que chegou ao fundo do poço, de uma pessoa que conheceu de perto a miséria, a decadência, a crueldade, a degradação, a dependência química. Leslie é o típico ser humano autodestrutivo, sem amor próprio, sem amor pelo filho, que está carregada de culpa, de medo, de desconfiança, de frustração, de traumas, de raiva. Aquela pessoa que está a um passo do suicídio.
O primeiro ato do filme é muito bom ao nos confrontar com a quebra de expectativas que se cria envolvendo Leslie e seu filho James (Owen Teague). Ou seja, Leslie está no fundo do poço e busca abrigo na casa do filho, que obviamente irá tentar acreditar na sobriedade da mãe e em sua possível redenção. É exatamente nessa parte que o roteiro nos questiona ao nos apresentar cenas esperançosas, promissoras, e logo após ser quebrado por cenas melancólicas e tristes - aquele típico caso de você dá uma segunda chance e a pessoa não saber aproveitar a chance recebida. A partir daí a trama fica cada vez mais impactante, por começarmos a vivenciar todo o drama de Leslie ao ser abandonada pelo filho, ao ser jogada na sarjeta, ao ser expulsa dos locais, ao ser esnobada e ridicularizada pelas pessoas que diziam fazer parte da sua vida nos momentos bons em que ela estava por cima e tinha dinheiro. Aquele caso que todos nós já passamos na vida; quando estamos bem e temos dinheiro somos bons, somos legais, temos amigos, fazemos diferença na vida de alguém. Quando estamos na lama, no fundo do poço, na sarjeta, ai que você conhecerá seu verdadeiro amigo ou quem realmente se importa com você - quem aqui nunca passou por uma situação parecida?
Já no último ato é exatamente a parte onde temos a possível redenção de Leslie, sempre com bastante dificuldade, com bastante sofrimento, com bastante desconfiança. A chance de Leslie mudar de vida está exatamente no emprego oferecido por Sweeney (Marc Maron). Podemos dizer que Sweeney foi o anjo da guarda, a alma caridosa, que ajudou e depositou toda sua confiança em Leslie quando ninguém mais confiava e ajudava ela. Sweeney foi humanitário, foi caridoso, foi altruísta, mesmo com toda dificuldade e todos os problemas que ele sabia que Leslie iria lhe causar, porém, também temos o gesto do amor, do carinho, do afeto, da empatia e principalmente da confiança e perseverança.
"To Leslie" toca exatamente nesse ponto, que muitas pessoas são autodestrutivas por consequências dos seus atos e suas escolhas, que elas não nasceram assim, são condições desenvolvidas por toda a sua vida, e muito por falta de amor, de carinho, de atenção, de afeto, de oportunidades, sendo que um simples gesto podem salvar vidas, podem resgatar a pessoa que se encontra no fundo do poço. Eu sei que é uma situação difícil, complicada, que ninguém se importará em ajudar, que o mais fácil é virar as costas e ir embora, pois obviamente o problema não é seu. Mas precisamos entender que uma pessoa na fase da vida da Leslie precisa urgentemente de ajuda (independente do que ela fez pra estar nessa situação), de atenção, ela precisa ser notada, ela precisa sentir e entender que ela é importante e faz diferença na vida de alguém - como vimos na cena final com a presença do filho e seu novo companheiro, ou seja, as duas pessoas que fazem parte da sua vida.
Tudo que eu descrevi acima não seria possível sem a presença impecável de Andrea Riseborough ("Oblivion" e "Birdman"). Temos aqui um caso de entrega, de se doar ao máximo, de se empenhar em busca da perfeição em dar vida à uma personagem. Andrea incorpora a Leslie com uma perfeição absurda, que fazia qualquer um sentir na pele todo o seu drama, o seu desespero, a sua dor, a sua agonia. Uma atuação arrojada, competente, onde tínhamos uma personagem que nos demonstrava uma grande carga emocional, um grande peso dramático, conseguindo transcender todo sofrimento e comprar a nossa empatia instantaneamente. Pra mim uma atuação perfeita, impecável, onde só confirma que a Andrea Riseborough é digna e merecedora de todos os elogios que vem recebendo. Criou-se todo um debate, uma polêmica envolvendo a sua indicação ao Oscar de Melhor Atriz. Bem, fica na responsabilidade da academia investigar.
Owen Teague ("It - Capítulo 2") completa muito bem com a presença do filho que também sofre por consequências das escolhas da mãe. Apesar que eu não concordo com a sua escolha do abandono, existem outros métodos que podem ser utilizados nesse caso. Allison Janney (maravilhosa em "Eu, Tonya") como Nancy traz uma figura intolerante, mesquinha, prepotente, que se utilizou da Leslie e depois a abandonou e virou as costas, porém, no final foi gratificante ver o seu arrependimento e seu remorso. Allison Janney é uma belíssima atriz e aqui ela se encaixa perfeitamente na personagem. Marc Maron ("Coringa") fez um contraponto muito interessante com a Andrea Riseborough, seus personagens se conversam e se completam dentro da história, mesmo que inicialmente de forma mais turbulenta. Gostei da química de Marc e Andrea, mesmo de forma um tanto quanto conturbada, mas no final deu tudo certo.
Completando o elenco ainda tivemos Stephen Root ("A Tragédia de Macbeth") muito bem como Dutch, fazendo um par perfeito com a Nancy.
Andre Royo ("Interrogation") como Royal, um personagem bem inusitado, mas que no final também contribuiu positivamente na história da Leslie.
Apesar do longa trazer toda uma abordagem em torno da decadência e redenção, que realmente é um assunto de extrema importância e que conversa diretamente conosco, porém não temos algo inovador, inédito, muito pelo contrário, toda produção pode soar até como clichê. Fatalmente alguém já se deparou com alguma produção, algum conteúdo, que abordasse esse tema em questão. Por exemplo: no momento estou reassistindo uma novela de 2006 no Globoplay, "Páginas da Vida", que tem um núcleo vivido pela atriz Marjorie Estiano (novinha na época) e o ator Eduardo Lago, que trata exatamente desse contexto de decadência e redenção, que mostra todo o sofrimento da filha com a dependência alcoólica do pai - como acontece aqui.
Mas por outro lado "To Leslie" nos encanta pela veracidade aplicada em cada cena, pela importância levantada em torno de um tema tão presente na atualidade, pelo discurso que nos atinge e nos comove verdadeiramente, sem falar na atuação monstruosa e impecável da Andrea Riseborough, que eleva o nível do filme para um outro patamar. [02/02/2023]