Babilônia (Babylon)
"Babilônia" é escrito e dirigido por Damien Chazelle. Ele narra a ascensão e queda de vários personagens durante a transição de Hollywood dos filmes mudos para os sonoros no final da década de 1920.
Damien Chazelle é um diretor muito jovem que despontou muito cedo em Hollywood. Com apenas 30 anos foi o vencedor do troféu de Melhor Diretor (se tornando o mais novo da história nessa categoria) por "La La Land". Um fato que não podemos negar é que Chazelle realmente é um diretor meticuloso, tem um olhar mais analista em suas obras, nos mostra toda sua paixão e devoção pela arte da música e do cinema. Isso fica muito bem comprovado em seus filmes anteriores como a obra-prima "Whiplash" (2014) e o badalado "La La Land" (2016).
Em "Whiplash" temos a busca incansável, incontrolável e desumana para atingir a perfeição. Em "La La Land" temos o contraste da história do pianista de jazz e da aspirante a atriz que se conhecem e se apaixonam, enfrentando todos os conflitos do show business. E dessa vez temos um Chazelle novamente revigorado, novamente enérgico, novamente letal (eu diria), construindo um contraponto e uma mescla de suas produções anteriores ao abordar seu mais novo filme - "Babilônia".
O mundo do cinema é muito curioso e muito interessante, principalmente quando estamos nos referindo à indústria hollywoodiana, o centro da indústria cinematográfica norte-americana. Digo isso pelo simples fato de como a indústria hollywoodiana se encanta quando é homenageada, quando vira pauta, quando vira assunto em um longa-metragem, ou seja, quando temos um filme falando de filmes, a indústria relembrando os primórdios da indústria, exatamente o que "Babilônia" faz aqui. Porém, não sei bem se encantar é a palavra mais correta para se utilizar aqui, para descrever todo o sentimento que a indústria hollywoodiana teve em relação ao novo filme de Chazelle.
"Babilônia" atravessa os anos 20 (é situado no final da década de 20), quando a indústria cinematográfica hollywoodiana estava passando por uma transição do cinema mudo para o cinema falado. Ou seja, um período de grande mudança, de grande conflitos, de grande turbulência para todos os envolvidos, aquele retrato do caos que se instalava entre artistas e cineastas nos primórdios de Hollywood. Temos aqui um retrato caótico da decadência, da depravação, da ambição, da extravagância, aquela típica vergonha alheia que vai se instalando ao decorrer da trama e da forma como toda história vai sendo contada e desenrolada. Às cenas iniciais já nos mostra toda depravação e excessos escandalosos em torno daquela festa regada a drogas, álcool e sexo, e feito em planos e enquadramentos sem nenhum pudor (para nos evidenciar ainda mais toda loucura).
Chazelle está realmente decidido impactar o espectador e não sente nenhuma vergonha nisso, até por exibir seu olhar mais caótico e menos romantizado sobre todo conteúdo dos primórdios hollywoodiano. Ela força a barra em cima de sequências mirabolantes, esdrúxulas, megalomaníacas, com uma extravagância e uma grandiloquência sem limites. Realmente é um olhar mais seco, mais cru, mais tendencioso, em relação aquela "década de ouro do cinema". Algo feito realmente para impressionar e elucidar sobre uma década exuberante e deslumbrante do cinema, nos mostrando os excessos e extravagâncias da elite clássica de Hollywood, com um contraponto entre todos os envolvidos que lutaram e trabalharam duro para ajudar a formar o cinema como nós conhecemos hoje.
Damien Chazelle me impressiona por ser tão novo nessa indústria e já demonstrar um olhar tão crítico e tão apurado, que às vezes me parece que ele já é um diretor de muitas décadas. Aqui ele critica e debocha da indústria hollywoodiana mas ao mesmo tempo constrói toda uma homenagem à magia de fazer cinema, um verdadeiro apaixonado pela sétima arte. Algo como uma paixão pela arte mas uma crítica ao que fica mascarado por trás das câmeras. Algo como, tudo que vemos na sala de cinema não podemos imaginar por tudo que esse espetáculo passou pra chegar até ali e fazer valer o nosso entretenimento. Não podemos imaginar às inúmeras sujeiras que estão por debaixo do tapete, toda catástrofe e imoralidade que se constrói através de uma verdadeira Deep Web de Hollywood - impressionante!
Outro ponto que é levantando no longa de Chazelle e é extremamente necessário: como muitas coisas ficam no escuro, acabam passando despercebido, algo como temos que sacrificar uns para a diversão de outros. Pois em "Babilônia" também temos a abordagem em torno da exploração da mão de obra, a exploração do negro, dos animais, das mulheres, a exploração do talento e da beleza dos atores e atrizes em prol de toda construção do bem maior. Além, é claro, o imigrante, que inicialmente foi tão importante para toda construção desse cenário e depois acaba sendo esquecido e deixado de lado.
Chazelle foi bastante minimalista e enfático na construção do seu longa, em abordar os feitos e os desfeitos que estavam por trás da transição hollywoodiana da década de 1920. Porém, ele se perde demais, se alonga demais, se repete demais, em uma história que claramente foi esticada ao máximo para gerar entretenimento durante suas 3h de duração. Por falar em duração, as 3h de filme é bem cansativa, e não é pelo fato da duração em si mas pelas inúmeras idas e vindas do roteiro, por se alongar e embarrigar demais em algo que claramente poderia ser cortado e que geraria a mesma proporção. Outro ponto que eu considero como uma forçada do Chazelle é exatamente em querer impactar, impressionar, querer chocar o expectador ao máximo por um puro apelo estético; como é o caso das cenas das festa com sexo, drogas e bebidas. O próprio Chazelle disse que "Babilônia" foi o filme mais difícil de sua carreira, e muito por ter que construir cenas sobre uma selvageria humana incontrolável. A própria Margot Robbie disse ter dado uns toques no Chazelle justamente em suas cenas sobre o uso de cocaínas, que ela estava achando um pouco apelativo e exagerado, mas que o próprio queria extravagância e queria realmente impactar com essas cenas (e conseguiu). Acredito que Chazelle perde a mão em seu filme justamente por querer abordar um drama com elementos de comédia e sátira, mas que ao final acaba falhando em ambos os temas e sem alcançar a objetividade desejada.
Se Damien Chazelle de certa forma falha no roteiro, no elenco ele acerta em cheio. Começando pela dupla envolvente, carismática e maravilhosa de Margot Robbie e Brad Pitt. Tanto Nellie LaRoy (Robbie) quanto Jack Conrad (Pitt) eram ótimos atores quando o cinema era mudo, mas que estão enfrentando grandes dificuldades para se adaptar nesse novo estilo de cinema falado. É muito notável como ambos sofrem nessa adaptação, como ambos não conseguem se adequar à esta mudança.
Margot Robbie sendo a magnífica atriz que é, era muito óbvio o que eu poderia esperar de sua personagem no filme, e jamais ela decepciona. Robbie constrói uma personagem que inicialmente se porta como extravagante, exuberante, imponente, dona de si e dominadora de todas as situações ao seu redor. Porém, é muito notável o seu desconforto e seu sofrimento quando ela se vê frente à uma nova era cinematográfica, e que ela não consegue se estabelecer como era anteriormente - aquela cena em que ela sofre para gravar a primeira cena falada em um filme é a ampla definição de tudo isso. Margot Robbie completamente linda, bela, plena, pura, leve, dinâmica, uma atuação prazerosa, fina, peculiar e requintada.
Brad Pitt também anda nessa linha de extravagância, protuberância, um canastrão, um verdadeiro garanhão, algo muito próximo com os acontecimentos que permeavam o cenário hollywoodiano masculino daquela época. Pitt também demonstra toda sua maestria, toda sua objetividade na construção de um personagem que poderia ser visto com uma grande casca por fora mas completamente vazio por dentro, ou até mesmo sofrível, diga-se de passagem. Em algumas cenas seu personagem me remeteu ao seu próprio personagem em "Era uma Vez em... Hollywood" (2019).
Diego Calva é uma grata surpresa pra mim, visto que eu não conhecia seus trabalhos, pois o mexicano estreou em 2015 pelo filme "Te Prometo Anarquia". Diego deu vida ao Manny Torres, o personagem que podemos considerar como o mais próximo do público, o que possivelmente poderá conter uma maior identificação, muito por ter esse olhar mais voltado em busca dos seus sonhos e suas realizações.
Jean Smart (brilhante em "Mare of Easttown") como Elinor St. John é uma personagem um tanto quanto interessante e intrigante, eu diria, principalmente em sua parte final. Jovan Adepo (excelente em "Um Limite Entre Nós") como Sidney Palmer, o trompetista de jazz afro-americano, e Li Jun Li ("De Frente com meu Ex") como Lady Fay Zhu, a cantora de cabaré lésbica sino-americana...são dois personagens que trazem uma discursão acerca do racismo e da homofobia, porém de forma bem vaga e bem rasa pelo roteiro, faltou um aprofundamento (aquela cena que a Lady Fay Zhu canta a canção "Pussy" é ironicamente engraçada dentro do contexto do filme).
Ainda tivemos o sempre excelente Tobey Maguire (que também atua como produtor executivo no longa) como James McKay, um personagem muito curioso e até interessante, dependendo da visão de cada um.
Max Minghella (impossível não se lembrar do Nick Blaine, "The Handmaid's Tale") como Irving Thalberg, um curioso produtor cinematográfico durante os primeiros anos do cinema.
E não menos importante, a presença ilustre do Flea (o lendário baixista do Red Hot Chili Peppers) como Bob Levine.
Em questões técnicas o acerto de Chazelle é bem notado. Como seu próprio trabalho de direção, que mais uma vez é muito bem ajustado, muito bem centrado, usando toda a sua técnica que já observamos em seus longas anteriores, como no próprio "La La Land", onde tínhamos a sua clássica virada de câmera. A trilha sonora de Justin Hurwitz (um grande parceiro de Chazelle) é mais um acerto no longa, por conter uma mescla entre diversos ritmos que ditava toda a freneticidade de cada cena, ainda mais se falando de uma produção que tem a alma de um musical. A fotografia do sueco Linus Sandgren (outro parceiro de Chazelle) é eloquente, é exagerada, e justamente essa era a intenção aqui, nos levar através da fotografia para o êxtase, para uma espiral de loucuras e exageros. A direção de arte é espetacular, por criar e nos jogar em cenários surpreendentes e completamente fiéis com a época, assim como os próprios figurinos e maquiagens, ou seja, nada aqui foi poupado no quesito extravagância e eloquência.
"Babilônia" foi considerado como uma bomba de bilheteria, arrecadando $ 42 milhões contra um orçamento de produção de $ 78-80 milhões. O filme recebeu cinco indicações no 80º Globo de Ouro (incluindo Melhor Filme - Musical ou Comédia, ganhando Melhor Trilha Sonora Original), nove indicações no 28º Critics' Choice Awards (incluindo Melhor Filme), três indicações no 76º British Academy Film Prêmios e três indicações ao 95º Oscar, por Melhor Trilha Sonora Original, Melhor Figurino e Melhor Design de Produção.
Por fim, temos aqui o novo trabalho entregue por um dos novos queridinhos de Hollywood. Apesar da academia torcer um pouco o nariz em relação a forma como ele abordou toda essa época e essa transição da década de ouro para o cinema (vide as pouquíssimas indicações que o filme recebeu no Oscar).
Eu acho muito válido todo esse aspecto criado por Chazelle em sua forma de abordar uma Babilônia ao nos confrontar com uma realidade de nacionalidades, gêneros, etnias, classes, origens, mesclando sentimentos, dramas, prazeres, comédias, sátiras, e nos evidenciando como foi essa passagem de época do cinema, como foi essa conturbada e extravagante transição do cinema mudo para o falado.
Por outro lado, o diretor tomou várias decisões precipitadas, quis impactar e chocar o público em algo ineficiente e unicamente pelo puro apelo estético, que pode sim ser impressionante aos olhos do espectador inicialmente, mas no fundo não passa de uma tentativa forçada.
Porém, contudo, no entanto e todavia, não há como negar que Damien Chazelle marca seu nome mais uma vez na indústria hollywoodiana, mesmo com alguns percalços ele alcança o seu principal objetivo e seu grande êxito, que é prestar uma grande homenagem para o cinema hollywoodiano das décadas de 20 e 30, mesmo soando como uma crítica ao extravagante e decadente. [10/02/2023]