RESENHA – É ASSIM QUE ACABA
Com alguns traços dos contos de fadas clássicos, “É Assim Que Acaba” entrega uma resposta satisfatória a tabus da sociedade, e mais do que isso, consegue trazer uma firmeza de princípios em dilemas normalmente não questionados cotidianamente.
A história de um casal formado da forma mais inesperada possível, e contando com aquelas coincidências que só a ficção nos permite, narra a sequência de agressões – físicas e psicológicas – que a protagonista progressivamente experimentou, trazendo à tona marcas do seu próprio passado. O longa traz aos poucos as experiências da protagonista através de suas próprias palavras, pelas lembranças reveladas ao longo da trama,
perpassando pela morte e sombra de seu pai em sua vida.
Com o amadurecimento de seu relacionamento, o que incialmente era um grande conto de fadas começa a mudar
no momento em que ela reencontra seu amor do passado. Neste momento, eventos “inusitados” e infelizmente correlacionados de violência de Ryle
traz à tona que a protagonista desenhou uma triste tendência de seguir de padrões trazidos de sua família,
mais precisamente das agressões sofridas por sua mãe
. Ainda, a imposição violenta de seu pai, seja no papel de genitor, seja enquanto marido de sua mãe, marca todo o ritmo da história.
Nessa sequência de atos – em que Ryle deixa evidente seu descontrole emocional, sua falta de limites, e sua agressividade desmedida – a gota d’água se dá justamente nas conexões que a protagonista faz entre aquilo que via sua mãe sofrendo, com o que passou a acontecer com si própria.
A mudança completa de direção do filme acontece quando Lily reage a uma das agressões e sai de casa. Assim, no momento em que tem uma epifania, a protagonista muda completamente a visão que ela – e simultaneamente, a nossa – mantém daquele relacionamento. Somos apresentados à realidade nua e crua dos fatos: os eventos não eram isolados, não eram acidentes, muito menos deveriam ser aceitáveis.
A partir dali, a vítima percebe que estava, em realidade, repetindo os padrões vividos em sua infância e juventude, e aceitava imóvel às condutas de seu esposo, mesmo que estas fossem na exata mesma linha de tudo que ela discordava em seu próprio pai. Como forma de entender as razões dos eventos que lhe ocorrem, a personagem vai atrás de um profundo – e invejável – autoconhecimento, de mesma forma que busca entender o histórico carregado por Ryle.
Agora, com o olhar completo e sereno da situação, ela perdoa seu marido, apesar de sua decisão já estar tomada. Ela não continuará nos ciclos em que vivia, muito menos aceita que a postura de arrependimento do marido seja argumento suficiente para reatarem. Essa serenidade também dá lugar ao maior gesto de amor do filme, quando escolhe que o nome da filha será justamente aquele que castigou Ryle por todos esses anos. O gesto, aliás, não só homenageia o pai de sua filha, mas é um gesto de amor próprio.
Isso, porque apesar de os clichês indicarem um final feliz para ambos, juntos; Lily toma a decisão de pedir o divórcio, e é assim que acaba com o ciclo que carregou de sua família. Ela não precisa seguir os passos da mãe, muito menos concordar em ter em seu companheiro, a figura do pai que ela mesma nunca conseguiu personificar como uma pessoa boa (nota para o papel em branco das coisas que ela mais gostava nele), apesar de amá-lo.
Noutro ponto, “É Assim Que Acaba” traz ao espectador uma mensagem de fundo em muito realista. Ao retratar os seguidos deslizes de sua protagonista, que esconde do marido parte de sua história – muito provavelmente invocando mecanismos de autoproteção –, e assim quebra a confiança do casal, o filme não tenta criar a imagem de um companheiro completamente perverso, que faz o mal por fazer. Muito pelo contrário, o desenrolar da trama corre por problemas comuns em relações, que seriam dignas de dar cabo ao próprio relacionamento; ainda, a história toma o cuidado de mostrar os demônios que ele também carrega.
Por outro lado, mesmo que a protagonista também erre, como todos nós, é importantíssimo saber que seu comportamento nunca dará abrigo às reações do marido, muito menos que qualquer de suas atitudes, mesmo que chegassem a níveis muito piores do que os apresentados na película, justificariam as agressões que sofreu. E é neste momento que o filme emplaca sua melhor mensagem. Perdoar não é reatar, e errar não implica em aceitar qualquer coisa em troca.
Assim, mesmo que entre acontecimentos altamente corriqueiros e construções narrativas tipicamente de filmes – ou livros – inventivos, a profundidade da mensagem consegue aparecer a todos que o assistem, de que relações humanas são imperfeitas, mas há limites que não devem ser ultrapassados - apesar de serem contadas nas nuances de uma história de amor.
Boa produção!