Um para todos
por Barbara Demerov"Um santo". É assim que Frei Damião, nascido Pio Gianotti, é definido por muitos devotos no Brasil até hoje. Ao longo de 66 anos entre 1931 e 1997, desde sua vinda da Itália ao Brasil marcada pela pura intenção de seguir sua missão como homem de fé até a sua morte, o frade conquistou milhares de nordestinos e fez de Recife seu lar. É um personagem perfeito para ganhar uma obra que conte sua longa trajetória a quem não conseguiu alcançar, e é isso o que a diretora Deby Brennand executa em seu documentário Frei Damião - O Santo do Nordeste.
Por se tratar de uma figura praticamente santa pela comunidade que o cercou por décadas, o filme conta com depoimentos de inúmeros frades, padres e devotos que, ou conviveram com Damião por um período de tempo, ou tiveram algum tipo de influência do frei em suas famílias. Há quem recebeu seu nome por promessa, quem jura de pés juntos que ele flutuava pelo chão ao invés de andar e também quem garante que ele não dormia à noite. O documentário mostra bem que, se hoje Frei Damião está em processo de beatificação, muito se dá pela crença e paixão das pessoas que acompanharam sua missão com tanto afinco e emoção. Mas há também a mostra do fato que alguns milagres ocorreram em sua presença, e não somente o fato de que chovia sempre que ele chegava a algum local.
A estrutura do filme de Brennand não segue estritamente a cartilha de projetos do gênero, pois insere, também, algumas cenas ficcionais que reproduzem situações comentadas por alguns de seus seguidores. A mudança nas cores (de sépia para mais vivaz) demonstra quando estamos prestes a ver, e não só ouvir, testemunhos milagrosos ou simplesmente que nos dão uma base de quem foi Damião em toda sua graça. No entanto, toda e qualquer observação sobre o nosso protagonista nunca se dá pelo próprio, mas sim apenas por quem esteve à sua volta. De fato são vozes importantes para que saibamos alguns detalhes de sua rotina ou sua incansável busca por ajudar a todos, mas à medida que a narrativa se desenvolve a voz do frade acaba por fazer falta, pois seria ainda mais interessante saber algumas de suas opiniões e um pouco mais de sua personalidade.
Com isso, Frei Damião - O Santo do Nordeste ganha muitos tons de homenagem, pois além de não possuir materiais em que o frade fala para a câmera (talvez nem existam registros por conta de sua personalidade mais silenciosa e pacífica), não são apresentados quaisquer conflitos com relação ao personagem. Esta escolha, aliada ao fato de se ter algumas cenas dramatizadas que contam como a presença de Damião era milagrosa em múltiplos meios, faz com que o documentário perca um pouco o tom informativo para dar lugar a uma adoração - que nunca deixa de ser conveniente, dada a importância desta figura para a população do Nordeste.
Todavia, é curioso refletir que Frei Damião - O Santo do Nordeste poderia ser capaz de ganhar mais camadas para além das declarações amorosas de todos os entrevistados se o próprio personagem-título tivesse mais espaço para falar ou, simplesmente, ser ouvido. Com grande parcela das cenas tendo sido trabalhadas sob a perspectiva de outrem, os raros momentos em que vemos cartas escritas por Damião tinham potencial para serem pontos-chave e dessem mais abertura a fim de entendermos quem foi o homem por trás da veneração. Mas, neste caso específico, já é significativo por si só a realização de um filme sobre tal figura que já pode ser considerada histórica. Apesar de não sair do lugar comum, o documentário sustenta seus traços de emoção e leveza para traçar um perfil, ainda que nada íntimo, sobre uma alma que viveu de forma humilde, sempre pronta para ajudar mais.
Filme visto no 23º Cine PE, em julho de 2019.