Quando a ciência encontra a emoção
por Barbara DemerovAos que já estão familiarizados com a frase "Ignorance is a bliss" ("A ignorância é uma bênção"), o título deste filme tem muita relação com seu significado. Bliss, dirigido por Mike Cahill, utiliza um cenário futurista e distópico, em que os personagens se dividem entre um mundo perfeito e outro realista, que não pode ser controlado por ações externas. No meio de diversas dúvidas, questões e pontos de virada inesperados, está o personagem Greg (Owen Wilson), um profissional que se sente perdido em seus próprios pensamentos.
A razão pela qual o protagonista se sente "offline" em seu próprio mundo é apresentada ao longo do filme, que se arrisca ao iniciar uma jornada com diversas interrogações sem entregar um ponto sólido ou uma base para o espectador. A atmosfera mais tecnológica (e a mais interessante) só pode ser visualizada no segundo terço, e tal escolha de Cahill certamente atinge a imersão na história de forma direta. Apesar de ser intrigante o fato de Greg ter sonhado com a misteriosa Isabel (Salma Hayek), quando a esperada revelação é feita perde-se boa parte da emoção.
Filme mistura sci-fi com ação em clima Black Mirror, mas história cheia de incertezas acaba por não se sustentar tão bem
Após a revelação, o lançamento do Prime Video se transforma em praticamente um filme de ação, com perseguições inusitadas e a junção de dois "mundos" tão contrastantes. Isso não seria exatamente um problema caso o filme também dedicasse um tempo a mais para explicar as motivações de Isabel com relação à realidade paralela que foi criada através da ciência. Mas isso não acontece, e a explicação encontra apenas um patamar bem raso no que se diz respeito ao valor que as pessoas dão às coisas materiais e imateriais.
A discussão sobre o valor da vida não deixa de ser interessante - afinal, Greg possui uma filha que mal conhece no mundo de mentira e, ainda assim, sente-se mais à vontade lá do que no mundo perfeito -, mas Bliss não é capaz de sustentar tão bem sua ideia original. Como o ponto de partida é o universo que conhecemos hoje, falho e imprevisível, é isso o que o espectador mais verá ao longo da narrativa.
Quando somos transportados para ambientes paradisíacos e modernos, tudo parece realmente artificial, como se aquele mundo fosse uma mentira. É claro que isso pode ser uma provocação do diretor, cuja provocação está no ato de criticar a idealização que podemos ter sobre a tal da "vida perfeita", mas isso acaba não se encaixando tão bem na narrativa como um todo.
Elementos como a filha de Greg, o relacionamento amoroso entre Greg e Isabel e a vontade de Isabel em se provar uma boa cientista são intercaladas a todo o momento sem dar profundidade ao todo. Em teoria, Bliss possui ótimas ideias e alguns possíveis desdobramentos são apresentados em diversas passagens do filme, mas as particularidades da história (especialmente no que se diz respeito às duas vidas de Greg) não são costuradas à trama principal para que tudo flua melhor. Como resultado, o filme funciona apenas quando analisamos aspectos de forma individual, pois a obra, em sua totalidade, não atinge um nível satisfatório.