O futuro com tons de passado
por Ygor PalopoliQuantas coisas diferentes é possível abordar em apenas um só filme? Quantas críticas, temáticas e gêneros cabem em um espaço de duas horas? Mesmo cumprindo seu propósito inicial com competência, o filme Zona de Combate, da Netflix, acaba não alcançando tudo o que poderia ter conseguido por mirar em muitos alvos ao mesmo tempo — com o perdão do trocadilho, já que estamos falando de uma ficção futurista de guerra.
Na trama, em um futuro distópico no qual os robôs se aliam aos soldados norte-americanos durante as guerras, o piloto Thomas Harp (Damson Idris) desobedece uma ordem direta e acaba provocando a morte dois soldados, o que o leva a ser realocado para trabalhar diretamente no campo de guerra, junto ao respeitado Leo (Anthony Mackie).
Seguindo a premissa já um pouco batida no gênero, do ingênuo e determinado aprendiz que percebe o quanto uma corporação pode ser destrutiva através da figura experiente e caótica de um imponente superior, vamos aos poucos entendendo que a guerra é ambígua: dentro do cenário de batalha há sangue, mas é fora dele que o futuro é decidido.
Em um primeiro momento, o enredo até que poderia ser visto de maneira simplista, mas ele ganha novos contornos quando percebemos que o diretor Mikael Hafstrom pretende utilizar a história para criticar a indústria bélica e armamentista dos Estados Unidos, que cada vez tenta correr mais rápido para causar destruição em massa aliada às novas tecnologias (vale lembrar que é um simples drone que inicia o conflito).
Por si só, a narrativa teria espaço para combinar com o tom de crítica, mas Hafstrom acaba caindo em sua própria tentativa de ser mais do que consegue. Zona de Combate inegavelmente funciona como um bom filme de ação, e superficialmente também consegue entregar algumas reflexões sutis através da conturbada relação entre Thomas e Leo, mas... nada além disso. A questão aqui é: precisaria mesmo haver algo além disso?
Talvez caso se aceitasse apenas como um filme de ação ou mesmo como uma grande crítica que possui toques de adrenalina, o longa teria sido mais eficiente em sua mensagem, mas fica claro que Mikael não sabe muito bem que lado assumir. Temos tentativas rasas de refletir em meio a uma cena extremamente agitada, onde não há espaço útil na narrativa para isso, e linhas no texto do roteiro de Rowan Athale e Rob Yescombe tão expositivas que não levam a lugar algum.
No entanto, o filme ainda assim sai no lucro. A exploração da guerra futurista e os acontecimentos que nos levam a questionar como a militarização das grandes indústrias bélicas tem usado a tecnologia para que não haja mais a necessidade de treinar soldados obedientes e subservientes é interessante e até mesmo um tanto inovador pela combinação. Como um filme de ação, pura e simplesmente, ele também cumpre o propósito de entregar boas cenas e um clímax dramático.
O que desce um pouco a facilidade para curtir o resultado é que há muito conceito para pouco filme. No espaço de duas horas, Zona de Combate tenta falar sobre guerras internacionais, conflitos entre Estados Unidos e Rússia, impacto da robotização em uma possível sociedade futura, perigos do armamentismo exacerbado, realidade cyberpunk... a lista não para. São todos conceitos interessantes, bons de serem questionados, mas nenhum deles chega a ver a luz do dia.
Por outro lado, os fãs de filmes de guerra extremamente gráficos podem conferir aqui um resultado agradável, já que a censura +18 na Netflix se justifica bastante, uma vez que assistimos corpos serem dilacerados das mais diferentes maneiras. Seja um humano um robô, a probabilidade de que você seja morto de uma maneira apoteótica por aqui é bem grande.
Por fim, é possível dizer que Zona de Combate abre um caminho interessante na mistura entre sci-fy e o gênero de guerra, bastando apenas que os próximos filmes do tema consigam focar um pouco mais no que desejam abordar. Tecnicamente bem interessante, com atuações competentes de Idris e Mackie e bons efeitos visuais, o filme segue como uma opção para os que buscam apenas o bom e velho espetáculo visual, mas acaba não agradando muito os que esperam que alguma das narrativas seja desenvolvida além do superficial e previsível. Quem sabe nas próximas?