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    Pretérito.Imperfeito
    Críticas AdoroCinema
    3,5
    Bom
    Pretérito.Imperfeito

    Semelhanças entre desconhecidos

    por Barbara Demerov

    Há quem diga que a internet faz com que as pessoas se isolem do mundo. Por outro lado, ela pode servir de amparo para aqueles que se sentem isolados na vida real, em circunstâncias mais drásticas. Para esses indivíduos, especialmente na China, é só neste cenário tecnológico que há uma forma de conversar com quem nunca se conheceu pessoalmente e que possui mais diferenças do que características em comum. Este é o ponto de partida do documentário Pretérito.Imperfeito, dirigido pela chinesa Shengze Zhu, que explora o potencial de empatia que situações banais e discursos de quem vive à margem da sociedade podem nos provocar enquanto humanos.

    A humanidade é justamente o foco da diretora, que evita dar ao seu filme uma sensação de continuidade mesmo com uma leve divisão em capítulos enumerados. Não parece ser sua intenção a de entregar uma história que entrelace todos os seus personagens; cabe ao espectador movimentar as peças de seu quebra-cabeças a fim de construir uma própria narrativa que converse entre cada testemunho ou desabafo. Com imagens em preto e branco e que aguçam a nossa curiosidade (afinal, o simples fato de estarmos observando a vida cotidiana de pessoas já é um chamariz por si só), somos apresentados a um motorista de trator, um homem que não evoluiu fisicamente a ponto de ainda parecer uma criança, uma mãe solteira que trabalha em uma fábrica de costura, um homem que se mutila por diversão... São inúmeras as perspectivas de vida dentro da China, e Schengze envolve cada uma como se fosse uma camada acima de camada.

    Tal naturalidade da diretora em simplesmente "jogar" as cenas (todas captadas em live-streaming que são impossíveis de rever quando finalizadas), demonstra seu cuidado extremo em observar cada indivíduo e sua noção do que os fazem ser tão interessantes de serem observados. Alguns deles, que não aparecem tanto quanto os personagens já citados acima, pedem por atenção ou por dinheiro virtual (que, posteriormente, se transforma em dinheiro real) e praticamente fazem monólogos, pois não há nenhum público cativo online acompanhando suas rotinas. "Eu posso ficar na posição de um sapo por uma hora se vocês falarem comigo", exclama um jovem em um local isolado. A ideia de que pessoas como ele não têm com quem dividir uma comunicação (algo tão comum para muitos de nós) em seu dia a dia é chocante, ao mesmo tempo que a possibilidade de iniciar tal necessidade na internet já soe como um leve afago.

    O serviço de live-streaming parece ser uma extensão daquelas pessoas selecionadas para compor o filme. Seja dançando, cozinhando e até mesmo trabalhando enquanto a tela registra pequenos momentos despretensiosos - mas que dizem muito sobre a sociedade em que vivem, este grupo que praticamente não se conhece (com exceção de dois homens que até dividem a tela próximo ao final) possui semelhanças condizentes ao estilo de vida na China: a tecnologia os alcança sem a menor dificuldade, mas os problemas sociais e econômicos perduram sem poupar ninguém.

    Como a montagem evita criar uma linha narrativa que entre no padrão e não há quaisquer tipos de cortes nos momentos registrados, Pretérito.Imperfeito acaba ganhando um terço final monótono, pois todas as reflexões impostas pelos personagens já foram colocadas de maneira certeira e de fácil compreensão. Portanto, a persistência e a repetição de palavras acaba por ser algo um tanto incômodo, apesar de, em termos gerais, não enfraquecer a premissa e o desenvolvimento tão interessantes que Schengze foi capaz de criar.

    Filme visto no 8º Olhar de Cinema - Festival Internacional de Curitiba, em junho de 2019.

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