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    Banquete Coutinho
    Críticas AdoroCinema
    3,0
    Legal
    Banquete Coutinho

    Uma pergunta, muitas respostas

    por Barbara Demerov

    Se você tivesse a chance de perguntar algo para ninguém menos que Eduardo Coutinho, o que seria? Algo sobre sua vida pessoal, seu filme favorito ou um projeto que gostaria de ter feito... São incontáveis as possibilidades e ideias que poderiam se tornar o centro de uma entrevista com o documentarista brasileiro cuja obra foi capaz de tocar o mundo afora; mas Josafá Veloso opta por revisitar a carreira de Coutinho através de uma pergunta que nasce de uma opinião própria: "O diretor teria feito sempre o mesmo filme?". A resposta se encontra apenas na palavra do cineasta ou ela já está exposta em suas obras?

    Da longa e marcante história da produção de Cabra Marcado para Morrer até As Canções – e ainda passando por suas experiências na ficção, o cerne de Banquete Coutinho está na chance do público relembrar seus destaques profissionais com algumas reflexões pessoais proferidas ao fundo. Numa conversa com Veloso que mais soa como um encantador monólogo de Coutinho, o documentário o coloca na frente das câmeras como este sempre fez com seus personagens, mas com uma diferença: a indagação que inicia o filme não é respondida de forma direta. Assim, a obra vagueia por uma viagem interessante (afinal, como os conhecedores de sua obra não se encantariam com o que o diretor tinha a dizer?), mas sem chegar direto ao ponto proposto inicialmente.

    A questão é que a obra desta grande figura do nosso cinema já fala por si só. As semelhanças dentro de suas obras a partir de quando tornou-se um documentarista não as deixam necessariamente idênticas, mas conversam entre si por conta da humanização que o cineasta sempre priorizou. Sem o tom humanístico e a voz dada às pessoas de diferentes idades e localidades, tal pergunta talvez sequer existiria, pois esta é justamente a identidade que prevaleceu ao longo das décadas. E, como a montagem do documentário bem faz, esta fica explícita quando a trajetória artística de Coutinho nos é exposta como num mural de memórias – sendo ele o principal guia da narrativa. Cabe ao espectador (e até ao próprio diretor, que muitas vezes não o estimula para falar mais sobre determinado assunto) acompanhar seus relatos.

    Portanto, por mais que Veloso não tenha uma resposta em mãos, ele ganha um material de ouro com as demais considerações do cineasta. Desde reflexões vindas de diferentes autores e pensadores sobre cinema e como esta é uma arte que eterniza as pessoas, até chegar em observações pessoais (como o fato de Coutinho não se considerar ateu mesmo sem ser religioso), é difícil não se levar pelo jeito cativante e despojado inerente à sua personalidade. Aliada ao extenso material de arquivo e uma trilha-sonora caprichosa, a força do filme reside na pergunta e não numa resposta certa: afinal, o verdadeiro brilho está em suas obras documentais, em suas ideias como cineasta e em seu cuidado para com os entrevistados. É interessante como uma única pergunta pode dar tantas voltas e se aproximar muito do que Coutinho extraía em suas histórias. Não há espaço para respostas automáticas, somente para as mais sinceras e humanas.

    "Eu fumo e faço uns filmes", diz Coutinho em certo momento do documentário. Sua facilidade de abordar diversos assuntos (até mesmo de se resumir em uma frase modesta) de uma só vez ditam um ritmo agradável, mas que acaba sendo apoiado na nostalgia e no respeito que naturalmente pode ser retirado de sua carreira. Josafá Veloso transmite uma afeição pelo cineasta logo na primeira cena do filme, com uma conversa entre Coutinho e uma criança, e a partir daí intercala este carinho para deixá-lo expor seus desafios profissionais – como os vivenciados durante as filmagens de Cabra, com a pausa no período militar. Com palavras saindo de modo tão fluido da boca do falecido cineasta, o banquete do título faz jus à sua carreira, como se fosse uma mesa posta com inúmeros pratos que o público já saboreou e cujo gosto nunca enjoa.

    Filme visto no 8º Olhar de Cinema - Festival Internacional de Curitiba, em junho de 2019.

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