É fundamental que a ficção científica cinematográfica consiga envolver o expectador, usando mais ou menos recursos artísticos. Esse conceito é um bárbaro ponto de partida para se criar uma dramatização eficáz na tela, com suspense, terror e até mesmo comédia. Desde que boas idéias começaram a ser usadas quase 4 décadas atrás, ficou raro encontrar ficção científica que se misture com existensialismo. Junto com o seleto grupinho de filmes sci-fi revolucionários das décadas de 60 e 70, o mais controverso, sem dúvida, é o sinistro “2001 - Uma Odisséia no Espaço”, do mestre Stanley Kubrick. Controverso não só pelo tema, 2001 é canonizado como o melhor filme de ficção científica de todos os tempos por uma significativa maioria entre críticos e fãs, mas é repulsivamente odiado no mundo todo.
Vamos analisar o porquê dessa contradição tão curiosa. O longa de Kubrick não consegue ter um tema muito mais invejável do que Star Wars por exemplo, onde Luke Skywalker é um fazendeiro que possui uma força que funciona como um dom meta-psíquico. George Lucas extraiu leite de pedra e garantiu que o nome Star Wars nunca mais seja esquecido. Porém, se comparado com outros filmes do gênero, '2001' ganha não só por excelência, mas por ser extremamente complexo. Poucos cineastas conseguiriam carregar as subtramas filosóficas através dos 140 minutos como Kubrick fez, mérito para o mestre e para Arthur C. Clark, mente de ouro voltada para a astronomia, autor de várias novellas do gênero e co-roteirista de 2001.
Outra verdade absolutamente incontestável: 2001 é BASTANTE melancólico. Mesmo que essa característica não agrade todo mundo, ela é peça fundamental para o êxito da trama na tela e para a interpretação dos personagens em muitos filmes. É uma característica delicada a ser trabalhada em qualquer obra de arte. Em mãos erradas, um roteiro bom pode se transformar na maior cagada cinematográfica da história, e a essência da obra de Kubrick está quase inteira calcada nestes aspectos. Passando por câmeras estacionárias e tomadas longas e enigmáticas, a melancolia e o aspecto sombrio estão em cada fotograma, e é simplesmente impressionate observar como Kubrick doma com cautela e precisão as cenas alegóricas. Sabiamente, não tenta fazer um filme apenas de segredos ocultos, nem extrair ação do roteiro; o uso dela se limita a cortes e tomadas fechadas, a grande maioria sem o menor uso de trilha sonora. E por falar em trilha sonora, Kubrick consegue causar inveja em blockbusters como Alien, encaixando sinfonias clássicas no lugar das fanfarras de Alex North. Um momento específico (e famoso) está lá pelos 20 minutos, quando naves espaciais giram em suas órbitas remotas ao som da valsa Blue Danube - mais do que um jus - escrita por Johann Strauss. Fora outros exemplos, Kubrick ainda usa os coros arrepiantes de György Ligeti para ilustrar todo o suspense que uma revelação sem precedentes merece.
Dentre o inexpressivo elenco, Gary Lockwood e Keir Dullea interpretam com graça e majestia os papéis de Frank Poole e David Bowman respectivamente, dois astronautas confinados numa espaçonave rumo a Júpiter com o computador HAL 9000 como única compania. Quase que a viagem primordial que ninguém quer fazer, mas que todo mundo faz.
Na parte técnica, vale ressaltar que os efeitos não foram só inovadores, como também revolucionários, o que levou Kubrick a trabalhar meticulosamente por dois anos com o virtuose dos efeitos fotográficos Douglas Trumbull para atingir o nirvana de um universo quase totalmente desconhecido e nunca antes visto no cinema; mais outro ponto que garante a importância histórica do filme. O então novato editor Ray Lovejoy, falecido em 2002, adquire destreza com as tomadas espaciais. E a direção de arte do filme consegue espantosamente se aproximar do visual futurista da década presente, garantindo uma total imerção no universo espacial por parte do espectador. E eu não poderia deixar de destacar a fotografia igualmente caprichada de Geoffrey Bullsworth. O cinematógrafo inglês e Kubrick conquistam a tão desejada utopia angular que os diretores sempre buscaram ao fotografar filmes. Arrisco-me a dizer que nenhum diretor entende melhor de ângulos do que Stanley Kubrick. Tomadas misteriosas, geométricas, que vão gradualmente revelando o ambiente, atraem a total atenção do espectador quando estão em cena. Kubrick usa artifícios que repelem muitas pessoas por serem altamente reservados aos mais cautelosos e interessados, mas que certamente causam noites de insônia com seu significado simbólico e sugestivo devidamente interpretado; arte cinematográfica em seu mais glorioso esplendor.