Inicialmente, é importante fazer uma precisão a respeito desse documentário: considerado desde seu anúncio como "um filme sobre o impeachment da Dilma", Democracia em Vertigem possui ambições muito mais abrangentes do que documentar a queda da presidenta. Dilma Rousseff sequer constitui o foco central do filme, cujo verdadeiro protagonista é Lula, visto tanto na cena de abertura quanto na conclusão. O ex-presidente é retratado desde os primeiros passos políticos como metalúrgico no ABC paulista até a prisão em consequência da Lava Jato. Lula torna-se o símbolo da ascensão da classe trabalhadora ao poder, e também a comprovação dos limites da política conciliatória no cenário político nacional. Embora cite Dilma Rousseff, Aécio Neves, Jair Bolsonaro, Gilmar Mendes, Eduardo Cunha e até Juscelino Kubitschek, o projeto encontra seu motor narrativo na figura de Lula.
O filme jamais demonstra a intenção de servir como ferramenta de "verdade histórica", ou seja, um documento de impacto visando corrigir percepções e impor um discurso predominante. A cineasta Petra Costa não participa à raivosa disputa de narrativas da sociedade contemporânea, preferindo uma leitura pessoal das últimas décadas. Assumindo sua subjetividade, ela se posiciona enquanto personagem e narradora, ao passo que entrevista a própria a mãe, militante presa pela ditadura. O recurso à família da diretora produz um efeito interessante: embora se trate de um núcleo economicamente privilegiado, Costa opõe os avós defensores da nova extrema-direita aos pais ativistas de esquerda. O contraste serve a representar numerosas famílias divididas desde as últimas eleições, ilustrando portanto a polaridade atual. Em paralelo, após cada cena sobre grupos em apoio à esquerda, vemos outra, de proporções equivalentes, em apoio à direita.
Embora insira vários discursos dos protagonistas da política nacional, a principal voz do filme é a de Petra Costa, que não apenas enumera fatos e organiza as imagens, mas também interpela o espectador. O filme se abre com a constatação melancólica de que o sonho de uma revolução política jamais aconteceu, e se fecha com outra indagação, igualmente crepuscular, a respeito de nossa dificuldade em encontrar forças para lutar contra vozes antidemocráticas. Ao longo da projeção, Costa insere leituras poéticas ("Ele é um escultor cujo material é a argila humana", afirma sobre Lula), revela sua presença diante das câmeras, mostra entrevistas bem-sucedidas ou falhas, e termina por se confiar ao espectador: "Eu não sei como isso deve ser contado". É curioso que uma diretora, durante o ato de contar uma história, afirme não saber como contá-la. O recurso retórico serve ao menos para expressar proximidade, um tom de conversa de igual para igual, ao invés de se colocar acima do espectador, como se lhe ensinasse uma lição.
Deste modo, a cineasta encontra espaço para uma inesperada poesia em meio ao caos. Desde o tom lânguido da narração até os planos aéreos de Brasília, banhados em música instrumental de caráter sacro, o filme sabe equilibrar as frases de efeito com os silêncios, os momentos de intensidade com outros de consternação. As duas horas de duração se desenvolvem em bom ritmo, sem a impressão de acelerar passagens nem repetir-se em explicações. É claro que, na ânsia de retratar muitas décadas de conflitos partidários, alguns pontos são subestimados: a mídia, mencionada através de capas de jornais e revistas, adquire um papel secundário na tormenta pública, enquanto as redes sociais e correntes de WhatsApp são citadas muito brevemente no trecho dedicado à eleição de Jair Bolsonaro. Talvez estes elementos desempenhem um papel fundamental na compreensão do Brasil atual, porém Costa privilegia a representatividade: após um rápido insert sobre as redes sociais, dá o assunto por coberto; após citar a imprensa majoritária, considera a menção suficiente. O documentário propõe menos uma hierarquia entre atores do cenário político do que um panorama amplo acenando a todos estes agentes. Caberá ao público, diante do farto banquete de informações, estruturar sua própria leitura.
Democracia em Vertigem se conclui como um projeto extremamente ambicioso que, embora não dê conta da integralidade de sua abordagem socioeconômica, desempenha muito bem uma parte considerável dela. Para quem tiver receios sobre uma possível defesa partidária, vale ressaltar que o filme, de vertente progressista e igualitária, reserva espaço considerável a críticas ao PT - e mesmo à tão cobrada autocrítica dos membros do partido. Sobre a proximidade com outros documentários lançados recentemente com temas semelhantes - O Processo, Excelentíssimos, Operações de Garantia da Lei e da Ordem -, não há o que se preocupar: cada um destes projetos recorre a uma linguagem e um discurso diferentes, desde o tom sóbrio e jurídico de Maria Augusta Ramos até a abordagem espetacular de Douglas Duarte, em contraponto à narração intimista em modo "álbum de retratos" de Petra Costa. A profusão de documentários políticos reforça a fortuna crítica brasileira, que conta com filmes relevantes tanto por seu aspecto sintomático quanto pelo diálogo frutífero entre eles.
Ao final, resta um retrato de desalento, de perda de referências, simbolizado pelo plano aéreo do gramado em frente ao Planalto, no qual pessoas de diferentes campos políticos caminham para todos os lados. Costa não cai na armadilha de fornecer alternativas fáceis, tampouco aponta vilões pontuais. O projeto se encerra na constatação de um sistema falido, uma democracia frágil e uma sociedade esfacelada, incapaz de se reconectar consigo mesma. Estaríamos unidos, ironicamente, pela descrença na noção de coletividade. Ao invés de nos alarmar sobre o caos iminente, a cineasta prefere acenar à necessidade de uma reforma muito mais ampla do que a eleição de um ou outro candidato. Na busca pela coesão narrativa, talvez controle excessivamente o discurso com sua própria narração, porém consegue apresentar um apanhado complexo sobre a "história do passado presente" do Brasil.
É possível que este seja o maior mérito de Democracia em Vertigem: não tanto o que nos diz sobre o nosso passado - ainda recente, fresco na memória de qualquer cidadão minimamente informado - e sim as conexões tragicômicas com o presente. A comparação entre os coronéis da ditadura e os militares do governo atual, entre a esquerda social-democrata dos anos 1980 e a esquerda conciliadora do século XXI, entre os ativistas contra a ditadura e os jovens contestadores dos nossos tempos, um farto material de reflexão é fornecido a respeito das evoluções e involuções de uma nação em crise.