Atual e ambicioso
por Kalel AdolfoM. Night Shyamalan é um dos cineastas mais controversos de nossa geração. De O Sexto Sentido — que se tornou um clássico instantâneo — até fiascos como O Último Mestre do Ar, o diretor está sempre provocando debates intensos acerca de seus projetos. Porém, gostando ou reprovando, é impossível não ser capturado pelo espírito disruptivo do diretor. E em Tempo, ele entrega mais uma produção desafiadora que nos cativa de formas positivas — e muitas vezes negativas.
Estrelado por Gael García Bernal (Amores Brutos), Vicky Krieps (Trama Fantasma), Rufus Sewell (Cidade das Sombras), Alex Wolff (Hereditário) e Abbey Lee (Demônio de Neon), Tempo é a síntese da carreira de Shyamalan. Em outras palavras, isso significa que a obra te levará a extremos de forma abrupta.
Não saber para onde seremos levados é um dos trunfos da experiência. Contudo, cada arco novo gera expectativas para os próximos, e nem sempre a produção consegue entregar algo à altura do que tenta construir.
Trama ambiciosa com alguns momentos pretensiosos
Extremamente criativa, a trama acompanha uma família que está curtindo as férias de verão em uma ilha paradisíaca. Chegando ao local — que é completamente afastado de quaisquer indícios de civilização — algo macabro começa a acontecer: todos passam a envelhecer precocemente e anos inteiros são perdidos em questão de horas. Agora, eles devem correr para descobrir uma forma de escapar da praia antes que suas vidas cheguem a um inevitável e acelerado fim.
O projeto lida com questões existenciais que estão mais atuais do que nunca. A forma em que desfrutamos a rotina, o quanto deixamos o passado interferir nos dias atuais e o escapismo destrutivo são temas recorrentes durante as quase duas horas de duração do longa.
Há momentos em que esses assuntos são abordados com uma sensibilidade ímpar, algo incomum na maior parte dos trabalhos de Shyamalan. A cena em que Guy (Bernal) e Prisca (Krieps) percebem que determinados conflitos são irrelevantes quando pensamos na finitude da existência é belíssima.
Porém, em outros instantes, o cineasta tenta instigar reflexões sociais de forma simplista e grosseira. Ao invés de focar nas mensagens centrais, o diretor erra ao tentar colocar o maior número de tópicos possíveis na trama. E claro, isso faz com que determinados objetivos sejam atingidos superficialmente.
Ambientação potencializa a intensidade da história
Assim como em Fragmentado, Tempo consegue aproveitar ao máximo sua ambientação “limitada”. E digo isso da melhor forma possível. O modo em que a ilha vai de paraíso para uma prisão amedrontadora é engenhoso. E apesar de contrastante, a transição é orgânica e fatalmente cativante.
Tanto as cavernas quanto o oceano desempenham um papel importante na história, aumentando a sensação de sufocamento. É como se a natureza fosse a verdadeira protagonista do projeto, e os personagens fossem meros coadjuvantes.
E claro, tudo isso contribui para que o público consiga digerir a mensagem de impotência diante de algo tão grandioso — como o espaço, tempo e a morte.
Histeria exagerada acaba diminuindo a seriedade do projeto
Filmes recentes como Hereditário e Midsommar de Ari Aster são exemplos perfeitos de produções slow-burn. Traduzindo, são aquelas histórias que vão pegando ritmo de forma lenta, até chegarem a um ponto de extrema intensidade e amedrontamento. Tempo pode ser encaixado neste subgênero do terror.
Porém, o erro de Shyamalan é não conseguir manter uma linha linear acerca dos desdobramentos. Há muitas sequências calmas, procedidas por momentos fúnebres. E isso acontece durante o filme inteiro. Portanto, ao invés de aumentar gradativamente o suspense, o cineasta opta por uma direção inconstante, que está sempre quebrando expectativas e atmosferas.
Além disso, a histeria que se instala no segundo ato da produção beira ao cômico. O excesso de informações e as reações desproporcionais dos personagens reduzem a seriedade do projeto e quebram a ilusão acerca deste projeto ambicioso.
Desfecho polêmico pode desagradar o público
Em uma tentativa de entregar um plot twist memorável, o cineasta acaba deixando as reflexões provocativas de lado para entregar um desfecho convencional ao público. Talvez a maior vitória da obra seja o seu mistério. A gama de pensamentos incitados pelo desconhecido é fascinante. E quando as respostas são fornecidas de maneira ordinária, o lado sensível e emocional do filme é deixado de lado. Mesmo assim, as temáticas avassaladoras de Old irão permanecer nos seus pensamentos por dias, e apenas por isso, o título se torna uma parada obrigatória na polêmica filmografia de M. Night Shyamalan.