Uma vida em uma noite
por Barbara DemerovAdaptação da peça musical homônima que fez sucesso nos anos 60 e do filme dirigido por William Friedkin (O Exorcista), a nova versão de The Boys in the Band para a Netflix não procura seguir um caminho independente a partir da história de origem. Pelo contrário, a estrutura do filme dirigido por Joe Mantello se mantém praticamente intacta, exceto por algumas adições de cenas que se passam fora do apartamento do protagonista, Michael (Jim Parsons).
Na verdade, a adaptação cinematográfica possui muitos elementos que a mantém intacta em sua base criativa e também técnica. Mantello é o diretor da peça que estreou na Broadway em 2018 e o elenco formado por Parsons, Matt Bomer, Zachary Quinto, Andrew Rannells, Charlie Carver, Robin de Jesús, Brian Hutchison, Michael Benjamin Washington e Tuc Watkins também é o mesmo que deu vida à trama nos palcos. Ou seja: para nenhuma das partes o filme de 2020 foi um terreno inédito a ser explorado. Isso fica claro a cada transição de cena no longa, a cada mudança de tom - que vai da comédia ao drama.
Todos os atores certamente já estavam mais do que preparados para interpretarem mais uma vez todos aqueles personagens; portanto, é evidente observar a ótima dinâmica nas conversas que envolvem a todos os homens presentes na festa de aniversário dedicada a Harold (Quinto). E, para incrementar o saldo positivo que os atores entregam aos personagens, há também outro elemento tão importante quanto os personagens: o local onde todos se encontram.
Apesar de The Boys in the Band se passar em um único cenário, todo o ambiente é aproveitado de uma forma equilibrada. É como se o próprio apartamento de Michael falasse por si só e destacasse as mudanças de atos, tal como na peça. Tal abordagem do diretor traz a sensação de que estamos assistindo literalmente à uma peça de teatro filmada, apenas com o diferencial de cenas externas que remetem a flashbacks das vidas de cada personagem. Toda a experiência transita entre duas formas de arte, uma se apoiando à outra no decorrer da narrativa.
Drama foca em tensão crescente e na intensidade do elenco
Para quem já é familiarizado com a trama de The Boys in the Band, é possível ver que poucas mudanças foram feitas no roteiro. O texto se mantém praticamente o mesmo, mas seu impacto pode ser ainda maior nos dias de hoje. Diálogos sobre autoaceitação, preconceito e o medo de simplesmente ser quem você é permeiam todos os ambientes, da varanda à cozinha. O grupo de amigos que se conhece tão bem - mas que é surpreendido pela adição surpresa de um homem hétero na festa - cada vez mais vai parecendo preso não só ao evento em si, mas a tudo o que envolve todas as discussões e receios compartilhados.
É só quando todos os personagens vão mergulhando cada vez mais nos sentimentos do amigo que está à sua frente que The Boys in the Band atinge um clímax sentimental e intenso. Ao mesmo tempo em que tudo é dito, aparentemente nada pode ser resolvido. O fato de a história se passar em uma única noite potencializa aquelas relações, como se aquela noite e oportunidade não pudessem ser adiadas. No fim, resta apenas a breve sensação de amparo ou a compreensão de que tudo ali é momentâneo, que amanhã será um novo dia e as frustrações talvez não terão o mesmo peso que o de hoje.