Filme novo, história velha
por Rafael FelizardoEm 2013, o terror cinematográfico via nascer Invocação do Mal, um longa-metragem assinado por James Wan que instantaneamente caiu nas graças do público. Lotado de moral com a Warner Bros., o cineasta então decidiu expandir esse universo, ajudando a produzir títulos como Annabelle, A Maldição da Chorona e A Freira.
Uma década depois, coincidentemente em um ano onde o terror voltou a dar as cartas, os apaixonados pelo gênero presenciam chegar às salas escuras, A Freira 2, uma obra que dá continuidade à mitologia pensada por Wan, mas agora sob a batuta de Michael Chaves – diretor responsável por outros filmes da franquia.
Na trama, em 1956, membros da igreja católica são assassinados em sequência, desconfiando, o Vaticano, que o demônio Valak não foi extinto ao fim dos eventos do filme anterior. Assim, resta à Igreja apelar para a única pessoa conhecida que sobreviveu a um encontro com a nefasta entidade: Irene Palmer, uma freira que tenta esquecer o passado.
Infelizmente para nós, fãs do horror, A Freira 2 parece um apanhado de tudo o que já foi feito no gênero. Com os já desgastados tropeços de personagens em fuga, objetos devolvidos por cômodos escuros e tomadas de decisão questionáveis, o longa-metragem propõe uma experiência majoritariamente entediante, responsável por aquele incômodo sentimento de “já sei o que vai acontecer aqui”.
Com isso em mente, se fizermos um pouco de força, até mesmo o enredo pode parecer um reboot de Annabelle 2 - A Criação do Mal. Analisando friamente, temos um grupo de mulheres religiosas, de diferentes faixas etárias, vivendo sob o mesmo teto, assombradas por uma entidade sobrenatural desconhecida – repetindo-se, também, o arco das garotas populares rejeitando o “patinho feio” do grupo.
No fim das contas, a sensação que fica é a de que A Freira 2 teve medo de se permitir mergulhar mais fundo em seus dramas, como ao apresentar partes do passado de Irene, mas optar por ficar na superficialidade da personagem. O mesmo movimento pode ser visto com a recém-introduzida irmã Debra (Storm Reid), que nos provoca com um trauma passado que soa interessante apenas para se desfazer dele no decorrer da obra.
O título acima pode parecer peculiar, e para explicá-lo precisa-se de contexto. Nos momentos finais de A Freira, prequela do filme aqui abordado, Irene usa um artefato contendo o sangue de Jesus Cristo para supostamente terminar Valak, selando o vilão no lugar de onde havia escapado. Da mesma forma, o segundo capítulo achou válido repetir o procedimento, introduzindo outro acessório sagrado como forma de combater o demônio.
Ao término do longa-metragem, enquanto eu saía do cinema, ouvi uma das pessoas que também assistiu ao filme indagar ao longe: “Eu acabei de ver A Freira ou Vingadores?”. O questionamento fez referência ao fato de, como em Vingadores: Ultimato, relíquias preciosas – Joias do Infinito – serem necessárias para finalizar o antagonista. Se em A Freira a ideia é considerada válida, principalmente pelo contexto da obra, nesta sequência, voltar a apostar em um Deus ex machina para resolver o problema criado pode parecer preguiçoso.
Continuando em Valak, afirmo sem pesar que o personagem é o ponto alto do filme. Se em títulos passados o demônio já havia roubado a cena, mais uma vez, ele volta a brilhar. Aqui, é válido ressaltar que a pós-produção fez um ótimo trabalho com as aparições e desaparições da entidade, sempre com a já característica camuflagem ao ambiente que tornou-se uma espécie de assinatura da franquia.
Em outro dos acertos, temos no longa uma das passagens mais brilhantes da saga. A cena de Irene junto à banca de revistas foi muito bem incorporada à trama por Michael Chaves, não à toa, antecipada pelo trailer divulgado em julho.
No mesmo grupo, destaca-se também a notável produção de figurino e maquiagem. Para transformar-se em Valak, a atriz Bonnie Aarons passou horas nas mãos de uma equipe visivelmente talentosa, optando por efeitos práticos no lugar de especiais, como anteriormente apontado pelo AdoroCinema.
A ausência de Joseph Bishara, responsável pela trilha sonora da primeira parcela, entretanto, é sentida. Apesar de experiente, Marco Beltrami (Um Lugar Silencioso, Rua do Medo, Carrie, a Estranha) não conseguiu ser um substituto à altura, soando suas ideias genéricas mesmo em momentos de sonoridade elevada, em takes de maior tensão.
O terceiro ato da obra é responsável por introduzir ao enredo um pouco de ação, dividindo seus personagens em dois grupos. O grande problema é que o time de menor importância tem um arco maçante, entregando uma exaustiva perseguição por lugares claustrofóbicos que tira o foco da narrativa principal.
Para completar, os protagonistas até conseguem entreter o espectador, mas como dito anteriormente, uma série de acontecimentos previsíveis e convenientes acabam com parte do brilho. Vale ressaltar que o longa-metragem também conta com uma cena pós-créditos que mais parece ter sido inserida para surfar na tendência do que outra coisa, pois não acrescenta muito.
Em resumo, A Freira 2 não convence. Há algum tempo, o planejamento de marketing vem chamando o projeto de capítulo mais “violento” do universo Invocação do Mal, o que, sinceramente, não significou muita coisa. O longa-metragem até apresenta momentos interessantes, mas poderia ter alcançado mais se abraçasse seus dramas.
Como em A Freira, mais uma vez, saímos do cinema sem entender quem de fato é a irmã Irene. Apesar de estarem em um filme de terror, a superficialidade dos personagens incomoda, principalmente quando tramas interessantes são descartadas precocemente.
Desta forma, muito pelos momentos finais, alguns podem até intitular a produção como um capítulo divertido, mas aposto que essa não seria qualidade almejada por Michael Chaves quando começou a planejar sua obra.