Um conto de fadas moderno
por Katiúscia ViannaJá foi a época em que contos de fadas eram apenas histórias de ninar. Todo ano, eles ganham novas interpretações, a fim de representar um novo tipo de princesa. Por isso, muitos questionam a relevância de Cinderela. Alguns acreditam que ela é um tipo de heroína ultrapassada em busca de um príncipe, enquanto outros enxergam a beleza de sua candura e gentileza. Temos a animação clássica, a versão revolucionária de Brandy nos anos 90, e até o recente remake da Disney, com Lily James. Tivemos até uma Cinderela Pop com nossa musa Maísa numa roupagem moderna e teen.
Chega agora aquela que promete ver uma visão ousada da personagem, trazendo a cantora Camila Cabello no papel. Tal produção foi cercada de muita expectativa, não somente por trazer uma princesa latina, como também investir numa versão sem gênero da Fada Madrinha, sendo interpretado pelo premiado ator Billy Porter. Ao mesmo tempo, teve gente que já criticou o projeto só por ser mais um musical com James Corden... Afinal, qual é o veredito?
Qual é a diferença da nova Cinderela?
Distribuída mundialmente pelo Amazon Prime Video, a nova versão de Cinderela apresenta a mesma base narrativa. A jovem Ella (Camila Cabello) é tratada como empregada pela madrasta, Vivian (Idina Menzel), e suas filhas, até que a chance de mudar sua vida surge com uma ida ao baile do príncipe Robert (Nicholas Galitzine), com a ajuda da Fada Madrinha — que, aqui, ganha o nome de Fab G (Billy Porter). Outros elementos também estão por ali, como os ratinhos leais (e desnecessários) ou os sapatinhos mágicos... Porém, existe algo diferente nessa história.
O roteiro de Kay Cannon (A Escolha Perfeita), que também dirige o musical, apresenta uma Ella mais independente, que faz piadas e foge dos padrões comportados de uma princesa. A garota quer ser uma estilista de sucesso, não procurar (e depender de) um marido. Inclusive, muitas características típicas da história são desconstruídas para se adequar à tal nova versão. E, sinceramente? É algo divertido de acompanhar, mesmo que seja imperfeito. Afinal, é impossível não rir quando Ella joga o sapato de cristal na cara de alguém.
O problema é que o resultado final se torna meio esquecível diante de outra adaptações do conto da Gata Borralheira. Não é ruim, só deixa de ser marcante. Por mais que suas intenções sejam puras e divertidas, o novo Cinderela parece ser o bastante para entreter durante suas quase duas horas, mas somente isso. Por outro lado, não acredite quando alguém falar que é uma bomba, isso é apenas haterismo contra o projeto.
Números musicais de Cinderela não impressionam
Ás vezes, o próprio texto se confunde com as regras estabelecidas pela história e tem uma intensa necessidade de inserir o máximo de easter-eggs possíveis. Porém, ele tamém atualiza essa história em diferentes aspectos, mesmo que seja de forma superficial, para tentar trazer algo mais interessante para a geração jovem. Produzida pela Sony Pictures, Cinderela almeja ser como a versão da história que teve Brandy como protagonista, lá em 1997. O problema é que nunca consegue ser tão marcante como tal adaptação antiga.
Enquanto o filme dos anos 90 tinha canções icônicas (e viciantes) como "Impossible", a seleção musical do filme de Camila Cabello não possui nenhum número tão cativante, daqueles que deixam o espectador cantarolando por por dias a fio. Quem chega mais perto é uma das duas faixas inéditas da produção, "Million to One" — mas somente porque ela é performada três vezes ao longo do filme. Uma reprise a gente entende, mas duas?
Enfim, algumas escolhas musicais são inspiradas, como o mashup "Rhythm Nation / You Gotta Be", que começa bem a história. Outras são muito estranhas, como o encontro de "Whatta Man / Seven Nation Army" no meio do baile que chega a ser exagerado demais. E tem aquelas que você deseja ter sido uma escolha irônica de propósito, mas não tem 100% de certeza se essa foi a intenção, como "Somebody to Love". Visualmente, as performances até funcionam, mas Kay Cannon não traz algo novo... O que é irônico, considerando como ser diferente é justamente o objetivo do roteiro.
Camila Cabello surpreende com uma divertida Cinderela
Ao contrário do que muitos haters acreditam, a escolha inusitada de Camila Cabello funciona. Ela tem carisma e diverte como a personagem espevitada, mesmo que tenha alguns maneirismos. Sua química com Nicholas Galitzine é bacana, rendendo uma parceria diferente entre gata borralheira e príncipe (mais ou menos) encantado. Outro ponto legal é a humanização da madrasta má, que rende alguns bem honestos vividos por Idina Menzel — que também contribui com a trilha através da canção inédita "Dream Girl". Porém, surreal mesmo é ouvir a Elsa de Frozen cantando "Material Girl" da Madonna.
Porém, o grande destaque do filme é Fab G. Todo mundo sabe que Billy Porter é uma estrela, então já era esperado que ele estaria bem na produção. Mas o astro de Pose é uma força da natureza que equilibra magia e humor. Dá vontade de ter uma Fada Madrinha tão fabulosa como ele, um grande acerto dos diretores de elenco. Vivendo rainha e rei, Minnie Driver é sempre uma alegria na tela e Pierce Brosnan canta pouco, o que é um alívio. E, sim, o longa tem James Corden, mas ele aparece bem pouquinho, então o pessoal deve respirar aliviado.
Não dá para falar de uma história de Cinderela sem falar do figurino, não é mesmo? Existem alguns looks bem interessantes, com o vestido de baile sendo um deles, mas tanto esse aspecto, como a direção de arte não parecem ser tão luxuosos como a história demanda. Na realidade, esse é o clima total do filme. A grande questão é que o novo Cinderela não deve ser levado muito a sério e todos os envolvidos sabem bem disso. Dá para apostar que a trilha sonora deve ser um sucesso, enquanto o longa seria uma boa opção para uma Sessão da Tarde.
Mas é incrível ver, finalmente, uma Cinderela latina... Isso se você não considerar a Cinderela Baiana, mas essa já é outra história. Então, já fica aqui nossas dicas para outras atrizes maravilhosas que poderiam se tornar princesas icônicas da Disney!