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    Hungria 2018 - Bastidores da Democracia
    Críticas AdoroCinema
    2,0
    Fraco
    Hungria 2018 - Bastidores da Democracia

    A vitória do medo, de novo

    por Bruno Carmelo

    O que leva uma nação a eleger um governo de extrema-direita? Como fazer uma cidadezinha que nunca viu um imigrante votar contra o “perigo da imigração”, e convencer uma comuna de que a legalização do casamento gay levará a uma conversão em massa de crianças à transexualidade? Em outras palavras, de que modo a retórica do medo e da ameaça contamina uma população a ponto de se sobrepor aos inúmeros dados que negam estas afirmações? Este é o ponto de partida da diretora Eszter Hajdú, buscando compreender o funcionamento político de seu próprio país, que elegeu em 2018, pela quarta vez, o candidato de extrema-direita, Viktor Orbán.

    A cineasta se apoia num estilo dito observacional, posicionando a câmera tanto nos comícios da extrema-direita quanto naqueles do principal candidato de esquerda, Ferenc Gyurcsány, para delimitar as estratégias e promessas de cada lado. Os dois polos se alternam, rigidamente, enquanto o olhar da câmera permanece calado. Não há narração, entrevistas, material de arquivo, nem mesmo dados sobre as transformações da Hungria pós-Orbán. Na falta de especificidades, o projeto se concentra voluntariamente na ideologia xenofóbica e homofóbica, facilitando a identificação com tantas outras democracias contemporâneas que se renderam ao autoritarismo.

    Hungria 2018 - Bastidores da Democracia poderia ter um funcionamento análogo ao de O Processo, documentário brasileiro de Maria Augusta Ramos sobre o impeachment de Dilma Rousseff. No entanto, falta ao projeto europeu dois elementos centrais que garantiram o sucesso do filme nacional. O primeiro deles é a profundidade da pesquisa: Ramos posicionava sua câmera diante de dezenas de figuras essenciais do Senado, captando as frases e discursos mais importantes ao longo de meses, de modo a fornecer um olhar abrangente sobre um contexto político conturbado. Hajdú apenas salta de Gyurcsány para algum porta-voz do governo conservador, extraindo falas redundantes - de um lado, o discurso da liberdade e da união proposto pela esquerda, do outro, o patriotismo excludente da direita. Em menos de 90 minutos de duração, os discursos se tornam repetitivos, cansativos. O que pensavam os outros partidos? Nenhum político representou uma terceira via à polarização?

    O segundo elemento ausente é o controle estético, especialmente via montagem. Documentários de observação dependem muito do agenciamento das cenas para imprimir, através dos contrastes e associações, seu próprio ponto de vista sobre as imagens. No entanto, as cenas de Hungria 2018 - Bastidores da Democracia são no mínimo vacilantes: a câmera caseira treme para todos os lados, como se decidisse na hora seu enquadramento e objeto de interesse, enquanto o som dos comícios é deficiente, e a iluminação se resume às luzes dos salões e locais de reunião. Hajdú não consegue se expressar via enquadramentos, não encontra qualquer forma de ironia pelas imagens, tornando-se refém do discurso veiculado pelos personagens. O tom de urgência pode justificar a captação caseira até certo ponto, no entanto as imagens precisariam de um mínimo de cuidado para se sustentarem por conta própria.

    Talvez o resultado se justifique pela informação veiculada e pelo tom de denúncia - letreiros finais adiantam alguns números do governo Orbán. No entanto, o cinema sempre se apequena quando é reduzido à função comunicativa ao invés de puramente artística. A cineasta teve acesso privilegiado à intimidade de Gyurcsány, em casa com os filhos, mas não conseguiu extrair nada além de uma constatação genérica da derrota da democracia face ao autoritarismo. Na ausência de um ponto de vista forte da direção, o documentário de observação sempre corre o risco de ser interpretado como fatalista, ou mesmo conformista.

    Filme visto na 24ª edição do É Tudo Verdade - Festival Internacional de Documentários, em abril de 2019.

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