Seriam os deuses bons o suficiente para ter futuro na DC?
por Aline PereiraQuase cinco anos após chegar às telas pela primeira vez, Shazam! retornou em um período delicado para a DC: James Gunn e Peter Safran recém-assumem uma nova direção criativa do estúdio, que envolve uma série de mudanças importantes na construção dos personagens que vimos até agora. Em um segmento como o de super-heróis, em que as produções parecem vir sempre acopladas à uma premissa de “o que vem depois?”, o futuro nebuloso pode ser um problema. É com esse clima de “de onde vem e para onde vai”, que Shazam! Fúria dos Deuses chega – mas convida o público a deixar essa questão um pouco de lado e abraçar uma atração (quase) sem compromisso.
A história de Shazam! 2 começa pouco após os acontecimentos do primeiro filme e continua seguindo o protagonista Billy Batson, interpretado por Asher Angel em sua versão adolescente – que quase não aparece no longa – e por Zachary Levi na versão heroica. Agora que já está aprendendo a lidar com seus superpoderes, o protagonista tem outros problemas para lidar: o amadurecimento levanta questões de identidade que são fáceis de identificar e não só começa a se sentir despreparado para a “responsabilidade” que seus poderes trazem, como também precisa encontrar um caminho para se estabelecer como líder de um grupo que não parece compartilhar os mesmos objetivos.
Do lado de fora de sua cabeça – representada em uma ótima cena em que o herói adulto tenta se consultar com um pediatra para falar sobre sua Síndrome do Impostor –, uma nova ameaça universal surge: as deusas filhas do deus Atlas surgem para contestar o poder da família Shazam e acreditam que as habilidades que eram suas por direito. Assim, a ação de Shazam! Fúria dos Deuses vai e vem por mundos diferentes, trazendo criaturas mitológicas e explorando o que os efeitos especiais são capazes de fornecer.
No filme de 2019, foi um pouco difícil aceitar Shazam e Billy Batson como uma pessoa só – os atores Asher Angel e Zachary Levi não pareciam estar interpretando a mesma pessoa, especialmente porque a versão adulta do herói parecia mais a emulação de um adolescente afobado e atrapalhado do que a interpretação dada pelo ator adolescente. Esta diferença diminui significativamente no segundo filme da saga, em que o protagonista convence mais como um adolescente no corpo de um adulto, embora seja importante ressaltar também que praticamente não vemos Asher Angel em cena e isso, sem dúvidas, ajuda a não sentir tanto a separação entre os dois.
O mesmo vale, relativamente, para o restante do elenco jovem de Shazam!: suas versões adultas ganham mais destaque e parecem estar mais em sintonia com a personalidade do elenco adolescente. Aqui, vale ainda destacar Meagan Good, na versão adulta (e fofa!) de Darla, e Jovan Armand, como a versão adolescente de Pedro Pena. Mas se a sequência de Shazam! tem uma grande estrela, o nome é Jack Dylan Grazer, que interpreta Freddy Freeman.
Não vamos dar spoilers, claro, mas um acontecimento no longa faz com que a versão adolescente de Freddy precise aparecer muito mais do que seu alter ego adulto, interpretado por Adam Brody. Assim, Jack Dylan Grazer acaba sendo um grande fio condutor da trama, à medida em que seu relacionamento com Billy também vai se transformando e passa por um momento conturbado. Esse “afastamento”, se é que podemos chamar assim, é justamente o que abre espaço para que o personagem cresça e ele é o centro de algumas das ligações mais importantes do filme.
Freddy passa boa parte da aventura próximo ao Mago interpretado por Djimon Hounsou e os dois formam um tipo de dupla que anda em alta na ficção: o jovem ingênuo, mas corajoso, e uma figura paternal inteligente, mas sem paciência ou desesperançosa. Aqui, funciona. A dinâmica entre os dois atores é leve e espirituosa – importante em uma franquia que tem essa leveza em sua base, mas que decidiu, agora, apostar em momentos mais sombrios.
Temos na equação também a figura de Rachel Zegler, vencedora do Globo de Ouro por Amor, Sublime Amor. Com um papel importante no desenrolar da trama, a personagem surge como um interesse amoroso para Freddy e essa dinâmica nos traz de volta ao clima de uma Sessão da Tarde descompromissada, mas que tem um carisma que funciona independentemente do drama que está rolando ao redor dos dois.
Além de Rachel Zegler, o segundo Shazam! tem dois grandes nomes novos na família. Lucy Liu e Helen Mirren são as grandes antagonistas do longa, mas suas passagens podem ser divisivas. Embora as filhas de Atlas sejam indiscutivelmente ameaçadoras o suficiente para nos fazer temer pelos heróis, a sensação é de que a pouquíssimo investimento emocional nas duas – a principal questão aqui é que elas passam por um arco transformador durante a história e a gente sabe disso, estamos vendo, mas tudo acontece na superfície.
Como irmãs, as atrizes trazem uma química interessante para as telas, mas suas histórias individuais (a falta delas, na verdade) são lacunas que, se preenchidas, as tornariam personagens mais marcantes. Fora isso, é curioso notar como são poucas as interações entre elas, as “vilãs”, e o próprio Shazam: é como se o herói participasse menos do que deveria em sua própria história e isso é uma pena porque os momentos mais centrados nos confrontos com ele também capturam a essência da ação engraçadinha que tornou Shazam querido para quem gostou.
Shazam! Fúria dos Deuses amplifica universo do primeiro filme
Com diálogos ainda mais doces e momentos ainda mais sombrios, Shazam! 2 amplia o mundo que apresentou em 2019 e grande parte disso está nos efeitos: o cineasta David F. Sandberg (Annabelle 2: A Criação do Mal) retorna para a direção do segundo filme com um ótimo feeling no que diz respeito ao estilo visual. É a parte gráfica dos mundos e das criaturas o que fortalece a sensação de que o segundo longa supera o primeiro em termos de tamanho e importância.
Assim como o Homem-Formiga da Marvel, Shazam existe muito mais como um alívio cômico da DC do que como um grande protagonista do universo cinematográfico. Uma faca de dois gumes: se por um lado é bom que existam filmes do gênero que não dependam muito de uma longa lista de outros títulos para funcionar, por outro, essa desconexão deixa tudo meio perdido e um futuro incerto.
Ao contrário dos heróis de primeiro escalão do estúdio, Shazam depende muito mais de sua performance em bilheteria para que tenha chances reais de voltar às telas com o mesmo elenco, seguindo a mesma história. Só o tempo poderá responder a essa pergunta, mas, enquanto isso, há alguma diversão pelo caminho.