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    Fotografação
    Críticas AdoroCinema
    2,0
    Fraco
    Fotografação

    Autorretrato

    por Bruno Carmelo

    É curiosa a naturalidade com que críticos e espectadores temos tratado os documentários narrados pelo(a) diretor(a), em primeira pessoa. Se o criador fala através de sua obra, nada mais natural do que colocá-lo falando literalmente numa narração em off, certo? A presença de sua voz, sua opinião na banda sonora, trata de misturar o discurso do filme ao discurso da pessoa e, em última instância, promover a fusão do autor e da obra. Existe um estranhamento na maneira como um diretor se transforma em personagem, não apenas para admitir sua presença junto aos entrevistados - como também faziam Eduardo CoutinhoClaude Lanzmann -, mas para falar, afinal, de si mesmo, controlando a narrativa por completo.

    Fotografação apresenta um bom exemplo deste sentimento incômodo. Lauro Escorel narra o projeto de vocação didática, enunciando grandes fotógrafos que retrataram o Brasil na primeira metade do século XX e contribuíram a criar uma imagem específica do nosso povo. A fala do diretor é excessivamente articulada, lida a partir de um texto pronto, movido por uma preocupação pedagógica. Poderia se discutir as habilidades do cineasta como ator, mas esta seria uma questão menor: o mais interessante é pensar o efeito de ter o diretor colocando-se em cena, mostrando-se no reflexo dos vidros, ao lado dos adolescentes numa praça, ocupando espaço considerável das entrevistas e ainda coordenando, com a própria voz, a extensa narração - além de ser o próprio diretor por trás do projeto, é claro.

    Além disso, Escorel trata de unir as rápidas explicações históricas à sua experiência pessoal: após mostrar o trabalho de um fotógrafo com comunidades indígenas, explica a motivação por um uso específico de luz e enquadramento num filme sobre índios, no qual desempenhou a direção de fotografia. Quando evoca as paisagens do Brasil de séculos atrás, usa como exemplos mais filmes de sua autoria para justificar a escolha de locações. De certo modo, todo o aprendizado trazido por Escorel nos leva de volta a Escorel. Ele é o único elo entre a fotografia still e a fotografia para cinema - talvez o objetivo central do documentário -, sem se preocupar em investigar esta experiência para outros diretores de fotografia. Mesmo a transição de alguns grandes fotógrafos franceses para o trabalho no cinema é citada com a velocidade de quem não pretende se aprofundar no assunto.

    Não bastasse a estrutura autobiográfica, Fotografação chama a atenção por escolhas estéticas questionáveis. Em especial, podemos citar a manipulação das fotografias, através de recursos pouco desenvolvidos de animação digital, e a presença de uma constante trilha sonora ambiente, uma música impessoal que serve apenas para preencher espaço, para evitar o temido silêncio. (Além da narração em primeira pessoa, seria importante discutir também a função estética das trilhas sonoras onipresentes, mas talvez isso seja tema para outro texto). A textura da imagem é uma questão fundamental quando se passa das fotografias clássicas, em película, à captação digital e lisa dos tempos atuais, mas nenhum tipo de reflexão estética é proposta sobre o choque de representar a película através do digital, já que o projeto pensa muito mais em termos históricos, fatuais, do que propriamente analíticos.

    Ao menos, o documentário conta com depoimentos de ótimos especialistas na área, e demonstra uma importante ambição de compreender a transição da fotografia do outro (a foto como documento) à fotografia de si mesmo (a selfie, efêmera e mais focada na experiência). O curto documentário de 76 minutos não tem tempo de aprofundar esta conexão, e parece ciente disso. Ele se contenta em ser uma pequena aula de fotografia, uma palestra linear e informativa sobre grandes nomes, fotos marcantes, momentos icônicos - e sobre Lauro Escorel.

    Filme visto na 24ª edição do É Tudo Verdade - Festival Internacional de Documentários, em abril de 2019.

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