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    Hoje e Não Amanhã
    Críticas AdoroCinema
    2,5
    Regular
    Hoje e Não Amanhã

    Mulheres que lutam

    por Bruno Carmelo

    O documentário chileno parte de um pressuposto interessante: o fato que mesmo as revoluções progressistas e democráticas da história recente se focam muito mais nos ícones masculinos do que femininos. No entanto, de acordo com as militantes entrevistadas por Josefina Morandé, “foram as mulheres que derrotaram a ditadura de Pinochet no Chile”, por compreenderem a importância de combinar política, arte e humor nas manifestações populares. Em outras palavras, o projeto reivindica o protagonismo feminino não apenas na idealização da resistência, mas na organização e nas ações práticas contra o ditador sul-americano. Ao invés de integrarem os movimentos masculinos, as mulheres constituíram frentes exclusivas e independentes.

    Na intenção de fazer justiça, a cineasta não mede os esforços para reforçar a virtude de suas protagonistas. Hoje e Não Amanhã não constitui um documentário equilibrado sobre pontos de vista distintos, e sim um panfleto sanguíneo e unilateral em defesa de heroínas esquecidas. O roteiro se contenta em folhear um catálogo de mulheres ativistas: após nomear uma figura importante, as entrevistadas relembram a principal ação promovida por ela, seus “melhores momentos” dentro do grupo Mulheres Pela Vida, antes de citar outro nome e resgatar o álbum de memórias da próxima ativista. A manipulação de fotografias de imagens de arquivo é simples, porém funcional, limitando-se a ilustrar os atos descritos nos depoimentos. A imagem basicamente representa o som, reincidindo nas informações.

    Ao mesmo tempo, a construção técnica se revela um tanto simplória: cada mulher é filmada num único ângulo, de modo que os testemunhos trazem cortes abruptos e artificiais dentro de cada imagem. A edição não explora metáforas imagéticas, nem a sobreposição do som em off com imagens de arquivo: o tom se aproxima muito mais do registro documental de uma telerreportagem do que de um projeto com ambições autorais e cinematográficas próprias. A trilha sonora padronizada e as cores um tanto desiguais são comuns a um documentário para o qual a importância do tema é colocada acima da forma de representá-lo. Mesmo rumo ao final, quando as protagonistas enfim se encontram, o uso de projeções sobre seus corpos soa um tanto amadora, muito mais interessante pela concepção do que pela execução. Ao menos as animações revelam uma perspectiva criativa sobre os fatos.

    Hoje e Não Amanhã transparece por fim a dificuldade de compreender um fenômeno sociológico em sua esfera macro, ao invés da micro. Morandé resgata uma série de anedotas pessoais, importantes para que o espectador se sinta mais próximo daquelas mulheres, mas não consegue uni-los numa compreensão ampla daquele momento histórico. Sabemos que elas lutaram, porém o roteiro não se dedica a mostrar contra o que lutaram, exatamente, e tampouco reflete sobre as conexões com os tempos de hoje. Apesar de as personagens ressaltarem a permanência da verve contestadora muitas décadas após a luta, a diretora fornece apenas um simples painel de adolescentes protestando no século XXI, sugerindo que a luta continua, que as meninas de hoje serão as senhoras idosas de amanhã.

    Este paralelo é importante, porém se priva de interrogar de que modo a militância se transformou desde então, ou como se associou às iniciativas masculinas. O documentário transparece o valor retórico de sua existência – ou seja, ele é comemorado pela raridade do tema e pelas nobres intenções. No entanto, ações tão criativas e rebeldes mereceriam uma abordagem menos comportada, menos restrita do que a simples captação de entrevista após entrevista. A força destas mulheres se tornaria mais evidente caso fosse representada pelos enquadramentos, a edição, o uso do som. O cinema se enfraquece quando se torna refém de um tema, quando se posiciona abaixo dele. No entanto, para a modesta ambição de registrar um fato e gravá-lo para a posteridade, Morandé obtém sucesso.

    Filme visto na 24ª edição do É Tudo Verdade - Festival Internacional de Documentários, em abril de 2019.

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