Beatrice Fiorentino (CIC)
(Autodestruição e Renascimento)
Há algo profundamente político na atração ardente que une Catherine e Gilberto; na união impossível de uma mulher francesa de meia-idade, ainda desejável, e um jovem brasileiro ambicioso, ansioso para se libertar das correntes com as quais um sistema de classes rígido o amarrou.
Ambos carregam as cicatrizes de uma vida que precedeu seu encontro: Catherine, bonita, rica, branca, está lidando com a passagem do tempo que aparece em sua pele, enquanto em seus olhos ela carrega o ressentimento secreto de alguém que se sacrificou por muito tempo, no caso dela, para cuidar de seu pai doente até o fim; Gilberto, chamado Gil, jovem, forte, negro, filho de uma empregada doméstica, ainda vivendo sob a sombra de seu empregador, esconde feridas invisíveis em sua alma e carrega cicatrizes visíveis em sua pele, um lembrete de um passado difícil.
Catherine está faminta. Após a morte de seu pai, ela quer finalmente aproveitar a vida, mas o contexto burguês ao qual pertence a sufoca. Ela quer se reconectar com sua irmã, que vive com seu marido no Brasil, em um luxuoso apartamento à beira-mar no Recife (uma das cidades do Brasil mais marcadas pela disparidade social), mas sua reunião não é nem reconciliada nem conciliatória como qualquer uma delas provavelmente desejaria.
Portanto, Catherine procura em outro lugar, fora das reuniões de classe alta e jantares sofisticados onde não se sente confortável, aquelas emoções há muito negadas. A chama entre ela e Gil é acesa por um impulso anárquico, pelo desejo de Catherine de escapar das regras de boas maneiras para se entregar às leis da atração. Seu sonho compartilhado de uma vida diferente daquela destinada a eles é nutrido pela imagem de um potencial duplo, de outra versão de si mesmos, como atestado pelos muitos momentos em que são vistos refletidos em espelhos, janelas e vidros
Este romance impossível, que apenas por breves momentos se abre à remota possibilidade de um amor verdadeiro, representa uma forma de colonização: uma história de dominação recíproca que passa pelo corpo do outro, vivido como um território de conquista e poder. De um lado, um jovem sem oportunidades que vê em uma mulher rica a possibilidade de realização; do outro, uma mulher europeia, que descobre prazer, desejo e impulso sexual naquele corpo jovem e sedutor e está disposta a fazer qualquer coisa para ter mais. Dar enquanto é dada, desde que mantenha a vantagem no jogo. Quem domina quem? Quem pode realmente dizer que está sendo explorado neste duelo ao sol, no qual sedução, sexo e dinheiro são as armas, e onde ninguém pode sair ganhando? Não há vítimas ou perpetradores em A Salamandra, uma adaptação do romance homônimo de Jean-Christophe Rufin, um melodrama clássico e elegante, onde o gesto preciso do diretor Alex Carvalho nunca sobrecarrega a história. Ninguém pode alegar ser inocente, mesmo com todos os fatores atenuantes oferecidos por um mundo que procede sob regras pré-estabelecidas das quais é quase impossível escapar.
Há outra camada que reforça uma perspectiva política, que é o retrato de uma feminilidade que é estranha a qualquer regra de bom senso, daí sua liberdade furiosa, desinibida, completamente indiferente ao ideal de comportamento perfeito, que muitas vezes pesa sobre as mulheres. Fascinante e contraditória, Catherine, libertada das amarras da aprovação familiar e social e, no entanto, longe do modelo “alfa” que está tão na moda hoje em dia, afirma teimosamente suas escolhas “erradas”, inadequadas, irracionais, instintivas, sua vontade “diabólica” de perseverar, arrepender-se e desviar-se novamente, disposta a pagar com seu corpo pelas consequências extremas de suas ações, em qualquer caso determinada a seguir um caminho que é tanto uma forma de (auto)destruição quanto de renascimento