A melancolia portuguesa
por Laysa ZanettiNa primeira cena de Technoboss, o personagem Luís Rovisco (Miguel Lobo Antunes) está à beira da estrada esperando um reboque que vem buscar seu carro. Um telefone toca, e ele atende sem que o dispositivo jamais apareça em cena — a voz do interlocutor funciona quase como a de um narrador onipresente, em todas as vezes em que aparece. Em termos de narrativa lógica, isso é até onde vai o filme do português João Nicolau. Todo o resto é designado para causar um estranhamento imediato, e isso causa. As escolhas técnicas, de enquadramento, de canções entoadas sem um motivo ou uma lógica aparentes todas as vezes em que o Senhor Rovisco entra em um carro parecem ser propositais para não fazerem sentido. Mas, eventualmente, tudo se encaixa.
A ideia desta espécie de híbrido entre drama, comédia e musical — não exatamente uma coisa, nem outra, nem a outra — está mais próxima a uma experiência sensorial do que a um objeto completo e bem formado. O cineasta utiliza a estranheza para fazer uma mistura de elementos que nem sempre funciona, e o resultado é que algumas vezes a excentricidade acaba se transformando em um esvaziamento de significados que serve apenas para dispersar o espectador.
Em contrapartida, existe no centro da história deste sexagenário que se recusa a sair da ativa em seu trabalho (trabalho este que insiste em tentar deixá-lo para trás em quase todas as esquinas) uma discussão séria e bastante melancólica sobre o analógico contra o digital, sobre o efeito da tecnologia nas relações humanas e sobre a forma como sentimos cada uma destas mudanças tão velozes nas formas de comunicação. A solidão de Rovisco, aqui neste percurso, é essencial para entender por que o filme se cerca de elementos visuais tão marcantes e incomuns: são formas de complementar a sua própria personalidade e a forma como transparece em cena.
Mesmo assim, a forma como o roteiro se utiliza ostensivamente das repetições acaba não ajudando na causa, tampouco o quanto o filme demora para introduzir o arco romântico e transformar Lucinda (Luísa Cruz) em uma personagem de fato. Entretanto, quando isso enfim acontece, o filme ganha uma segunda camada que até poderia transformá-lo em algo mais digerível, ainda que de forma um tanto tardia.
No fim das contas, a estranheza de Technoboss transforma o filme em algo definitivamente memorável, para o bem ou para o mal. Entre ser ostensivamente tosco ou ofuscar a falta de assunto com experimentalismo exagerado, o resultado é um tanto carinhoso e um outro tanto cansativo.
Filme visto no 21º Festival do Rio, em dezembro de 2019.