Núcleos conectados e distantes ao mesmo tempo
por Barbara DemerovO título do filme Adú implica que apenas a história de um protagonista será contada no decorrer de duas horas. No entanto, são três linhas narrativas traçadas aqui, cada uma contando experiências de vida totalmente divergentes no dia a dia, mas que se conectam quando observamos algumas ações e os sentimentos que tais vivências trazem ao núcleo de personagens.
Mas, apesar de não trazer nenhum ponto final a nenhuma das três histórias, Adú pretende levar diversos pontos de reflexão ao público. Desde o menino de 6 anos que dá nome ao longa (Moustapha Oumarou) até a filha de um protetor de elefantes que encara o vício em drogas, o filme se propõe a expor problemas cotidianos da vida da pequena criança que tenta sair da África ao lado de sua irmã. Simultaneamente à crítica social no formato de odisseia, a trama com a jovem Sandra (Anna Castillo) e o pai Gonzalo (Luis Tosar) oferece uma parcela mais sentimental dentro do todo.
Além destas duas histórias paralelas que se cruzam brevemente em momentos-chave, porém sem a consciência dos personagens, Adú também traz à tona a discussão sobre crimes entre policiais. A cena de abertura do filme traz o assassinato de um emigrante negro que é derrubado de uma cerca por um policial. Este se nega a dizer que o matou e, além disso, obriga seus colegas a serem coniventes com tal mentira. Ainda que marque um tema relevante, este arco do policial Mateo (Álvaro Cervantes) é também um tanto problemático, pois entrega um desfecho do "branco salvador" não muito convincente.
FILME ABORDA PROBLEMAS SOCIAIS EXTREMOS E O DIA A DIA DE PESSOAS INVISÍVEIS
Adú é um filme difícil de ser digerido pela crueza com que trata temas como emigração, violência policial e desavenças familiares. E, mais do que isso, é um filme cruel por retratar com bastante disparidade os problemas entre os personagens. Enquanto de um lado temos uma criança enfrentando seus piores pesadelos a fim de cruzar a fronteira e chegar à Europa, do outro temos um pai mais preocupado com sua filha do que com a ONG que o trouxe até a África. Existe um simbolismo na trama de Gonzalo - o fato de proteger não só os animais como também Sandra -, mas aos poucos a força dos acontecimentos iniciais do filme vão se dispersando. Ainda mais quando comparamos os problemas de Adú com os de Sandra (algo que a direção e montagem fazem questão de deixar no ar).
Porém, o arco de Adú nunca perde sua potência emocional e reflexiva, especialmente com a bela fotografia que capta a solidão e os perigos que o protagonista observa. Aliás, é muito provável que o espectador queira ver até mais deste personagem - especialmente alguns acontecimentos mais leves que as inúmeras desventuras que encontram o ingênuo e bondoso menino. Não existe tanto balanço para compor o personagem, e talvez seja isso que o desarmonize com as demais narrativas.
É triste constatar que sua história seja permeada por incertezas e crueldade, mas a intenção do diretor é clara: ressaltar a indiferença pela qual pessoas como Adú têm de passar involuntariamente para sobreviver. Só assim, evidenciando tais questões sobre sobrevivência e liberdade por meio do cinema, que espectadores no Ocidente podem ter o mínimo de noção sobre como é acompanhar a rotina imprevisível de seres humanos invisíveis.