Tragédia anunciada
por Aline PereiraChris Pratt viajando no tempo para lutar contra monstros do espaço: são nestas palavras-chave que A Guerra do Amanhã aposta para conquistar o público - uma fórmula que deu certo, já que o longa bateu recordes de exibição no streaming. Mas quem chegar ao filme esperando muito além disso vai ter mais dificuldade para se empolgar com a história. A nova produção original para o catálogo do Amazon Prime Video mistura ação, ficção científica com um clássico drama familiar e acaba parando no meio do caminho em todos os assuntos.
A Guerra do Amanhã começa quando um grupo de soldados surge em meio a uma transmissão na televisão: eles vieram de 2051 para avisar que, lá, a humanidade está quase dizimada, perdendo uma guerra contra alienígenas. Por isso, as autoridades do futuro decidem recrutar soldados e civis do presente e levá-los para se juntar ao exército contra essas criaturas terríveis - que, para Chris Pratt, não perdem em nada contra Thanos e outros aliens da Marvel. Sim, é tão genérico quanto parece.
A partir daí começamos a acompanhar Dan Forester (Chris Pratt), um professor de ciências e ex-militar recrutado que acaba se tornando uma figura importante no exército do futuro. O carisma de Chris Pratt é notável de Parks & Recreation a Guardiões da Galáxia, mas sem espaço para ser (ou parecer) espontâneo e ter o mínimo de leveza, não há muito o que nos faça simpatizar com o personagem. O fato de ele se comunicar quase que exclusivamente por frases de efeito e lições de moral também não ajuda.
Que mundo é esse?
Apesar de lançado com o gênero “ficção científica”, a falta de realismo torna difícil acreditar que os acontecimentos da história poderiam se passar no mundo de verdade. A parte científica serve de apoio para a resolução do conflito, claro, e, apesar de ser tocada de forma superficial, dá para fazer um esforço e aceitá-la. O mais difícil é encarar a falta de veracidade da trama no que diz respeito ao cenário real e à forma como poderíamos imaginar que as autoridades políticas, militares e científicas agiriam em uma situação de caos global. E olha que, agora, já temos boa noção de como é.
De tempos em tempos na história, Dan chega a alguma conclusão “genial” para salvar o mundo e é impossível aceitar que só ele teria tido essas ideias - a qual o espectador certamente vai chegar talvez até antes. Nenhum cientista, nenhuma organização, ninguém foi capaz de elaborar uma estratégia como Dan faz ao refletir rapidamente sobre a situação - e colocá-las em prática imediatamente. A falta de um mundo realista em que os mistérios e desafios parecem difíceis de serem superados faz falta para transmitir a sensação de urgência e perigo da aventura.
Aqui, um aspecto positivo é nos levar a pensar comoas pessoas comuns agiriam. Embora esse cenário seja apresentado superficialmente, dá para sentir o clima dos conflitos civis, manifestações e a resistência em prevenir, no presente, uma tragédia anunciada, sob o discurso de “esse problema não é nosso”. Um paralelo que, agora sim, é verossímil.
Todo o processo de recrutamento e os critérios para tirar pessoas do presente para morrerem no futuro também são difíceis de engolir. Nem os novos soldados, nem quem está assistindo recebe qualquer tipo de explicação satisfatória para aceitar que não havia nenhum outro jeito de resolver o problema a não ser entregar metralhadoras na mão de pessoas que não têm ideia do que fazer com elas.
Humor x drama
Com Chris Pratt fora do alívio cômico, o trabalho ficou com o comediante Sam Richardson, premiado em Veep. É um dos acertos do filme: o personagem dele, em pânico e completamente perdido, é muito mais próximo do que se esperaria de uma pessoa sem experiência de combate jogada no meio de uma guerra. Com ele, Dan tem diálogos e momentos de cumplicidade que parecem mais convincentes - ainda que, de novo, exagerando nas frases de efeito e nas mensagens edificantes.
J. K. Simmons também vem como nome de peso para A Guerra do Amanhã, interpretando o pai de Dan, com quem tem uma relação difícil seguindo o clássico drama do pai ausente. Em um exemplo do poder da presença de cena que alguns artistas têm por si só, o personagem de Simmons aparece pouco e é simplório, mas o ator consegue colocar profundidade dos conflitos, traumas e peso nas decisões que tomou no passado. Além disso, faz uma participação carismática no final do filme e na grande revelação sobre os monstro.
Um dilema chamado viagem no tempo
Viagem no tempo é sempre um tema com mais potencial para atrapalhar do que ajudar a história, especialmente quando Dark e Vingadores: Ultimato, por exemplo, estabeleceram um novo padrão do que é uma boa viagem no tempo. A Guerra do Amanhã não quer se concentrar nesse tema - o filme até fala em buraco de minhoca rapidamente, mas não há muitas regras convincentes para o vai-e-volta temporal.
Como o filme quase não toca nos pormenores da viagem no tempo, também não comete falhas graves e, embora o título indique, o “amanhã” não é o coração da história. É justo que o drama individual de Dan seja mais importante, mas não faria mal tentar cobrir um pouco mais os clássicos dilemas sobre como o passado afeta o futuro e vice-versa e, quem sabe, considerar o público um pouco mais exigente. E quem sabe uma nova história vem aí? Com o sucesso do filme, uma sequência de A Guerra do Amanhã já tem até os primeiros rascunhos do diretor.