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    Críticas AdoroCinema
    3,5
    Bom
    O Menu

    Sátira do real

    por Rafael Felizardo

    Misturar suspense a toques ácidos de comédia costuma ser uma arte que poucos cineastas conseguem dominar. Através de produções como Bela VingançaEntre Facas e SegredosJoias Brutas e A Caçada, Hollywood viu seu cardápio de opções do gênero crescer com uma qualidade impressionante nos últimos anos, juntando elementos antagônicos que nas mãos das pessoas corretas costumam agradar.

    Dentro dessa proposta, o novo longa-metragem de Anya Taylor-JoyO Menu, estreou no Festival do Rio 2022 lotado de expectativa. Apresentando um elenco que fala deliberadamente alto e também uma trama com todas as qualidades citadas no primeiro parágrafo, a obra atende perfeitamente ao esperado, parecendo entrar com os dois pés na porta para se credenciar à célebre lista dos melhores thrillers do ano.

    O Menu trabalha em cima do incômodo

    Na trama, o casal Tyler (Nicholas Hoult) e Margot (Taylor-Joy) decide viajar para uma ilha remota, visando ter uma experiência gastronômica exclusiva apresentada por um chef aclamado (Ralph Fiennes). Através de seu modo conceitual de cozinhar, o profissional prepara um banquete completo para os mais privilegiados membros da sociedade, que não esperam que o preço para tal entretenimento pode ser extremamente caro.

    Um dos grandes acertos do filme se dá na forma com que o diretor Mark Mylod aborda os pontos de vista por ele pretendidos: sem grandes alardes e fazendo do escárnio o elemento chave para construir seu enredo. Se outros cineastas escolheriam um caminho mais explícito para criticar o espetáculo praticado pela sociedade de maior poder aquisitivo, Mylod opta por usar – com louvor – uma ironia que incomoda o espectador desde o início, quase sempre envolta por algumas sutilezas que só vamos perceber mais à frente.

    Com isso em mente, O Menu nos apresenta o casal Tyler e Margot, e logo vemos que algo não se encaixa na dinâmica dos dois; alguma coisa perturba. Com o desenrolar da trama, descobrimos que essa relação é propositadamente construída em cima de uma proposta destrutiva que o filme gradualmente alimenta. Finalmente quando a grande revelação sobre o par é feita, é possível sentir aquela agradável sensação de ficha caindo, mérito para um trabalho de roteiro sólido que se manteve a todo o tempo dentro de suas convicções.

    A troca de papéis entre antagonista e protagonista

    Como todo bom suspense, o longa-metragem encontra em seu antagonista – se é que ele pode ser chamado assim – o ponto focal da trama. Acostumado a viver figuras mais lúcidas no cinema, Ralph Fiennes tira de letra o ato de dar vida ao chef Slowik, um personagem exótico, cheio de maneirismos e com alguns pontos de vista que acabam conquistando o espectador.

    Com um arco focado na redenção, Slowik enxerga nos milionários um poço sem fundo de necessidades que jamais serão satisfeitas, vendo, no interagir com a alta sociedade, uma experiência, de certa forma, sem alma, que acaba eliminando todo e qualquer vestígio de amor em relação à profissão.

    Fascinado à figura de Taylor-Joy, Margot, exatamente pelo fato dela não pertencer ao grupo acima, o embate, às vezes silencioso, entre a personagem e o chef torna-se uma atração divertida de acompanhar. Através de um relacionamento com dinâmicas dicotômicas: ora de compreensão, ora de desentendimento, a Slowik percebe na moça uma alma gêmea que também despreza a busca por aparências praticada pelos classe mais alta, tomando-a uma espécie de aprendiz em quem vê grandes possibilidades.

    Lotada de figuras grandemente satirizadas, a obra ainda apresenta desenvolvimentos gratificantes aos outros nomes da trama, principalmente ao seu suposto protagonista, Tyler (Nicholas Hoult), que, sem pressa, acaba se mostrando uma pessoa mais odiável do que o esperado.

    Os pequenos detalhes são essenciais

    Sem levar a expressão “eat the rich” (coma os ricos) ao literal, mas quase chegando lá, O Menu trabalha com alguns simbolismos que deixam o filme ainda mais interessante. Se pararmos para analisar, o fato de um traidor ter o dedo anelar decepado, portando uma aliança, passa uma mensagem que fala por si só, adicionando outros níveis à obra.

    Mergulhando nessas nuances, ressalto, mais uma vez, a proposta da produção de situar o espectador através dos pequenos detalhes, como exemplo, o momento em que a garçonete, Elsa (Hong Chau), diz que não será necessário um indignado convidado ligar para seu chefe, quando o homem insinuava o fechamento do restaurante. Ela sabia que o estabelecimento veria o seu término naquela noite.

    Continuando no reino das minuciosidades, o figurino planejado pela talentosíssima Amy Westcott (Cisne Negro) também surge como outro ponto postivo, com trajes que se encaixam perfeitamente na estética pretenciosa abordada. Retratando uma Anya com um vestido retrô noventista, somado a uma jaqueta de couro e botas pretas, temos então uma personagem distante e não conectada àquele mundo; e como já dito, são nesses caprichos que o longa vai gerando uma sensação lenta de incômodo no espectador, construindo, aos poucos, uma base para algo maior que é possível sentir se aproximar.

    Um ótimo fechamento

    Falar de O Menu sem discorrer sobre seu grandioso fechamento seria um ultraje. Sem entrar em muitos detalhes para não revelar partes essenciais da trama, é possível afirmar que, somente ao fim, passamos a entender o personagem de Fiennes em sua totalidade, com um gran finale digno dos grandes suspenses do cinema.

    Mais uma vez através de sua relação com Margot, Slowki vê a libertação chegar por conta do pedido de hambúrguer mais simbólico já visto, um ato que havia sido premeditado minutos antes (lembra da cena de Margot vendo os recortes de jornal na parede do chef?) e ajudou duas almas a encontrar suas diferentes liberdades.

    Finalizando, também é válido colocar que o diretor do longa, Mylod, tem em seu currículo trabalhos nas séries Game of ThronesSuccession e Shameless, ajudando a explicar o motivo de, mesmo não sendo tão conhecido no mundo dos longas-metragens, ainda assim, ter conseguido alcançar um resultado impressionante com seu filme.

    *O AdoroCinema assistiu ao filme no Festival do Rio 2022.

     

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