Contemplação e angústia
por Barbara DemerovCenários estonteantes, figurinos belíssimos e uma câmera que raramente se aproxima dos rostos de seu elenco. A Portuguesa, de Rita Azevedo Gomes, é um deleite visual especialmente para os espectadores que tenham apreço a obras históricas que requerem muito cuidado e delicadeza. A direção do filme nunca peca em mostrar o máximo de seus ambientes, tornando os próprios personagens apenas uma extensão dos locais que nos são apresentados, mas que ainda assim reproduzem fortes sentimentos a cada cena.
A composição visual do drama de época possui mais força do que a história contada, mas isso passa longe de ser um problema devido à boa direção de Gomes e a constante noção de que estamos apenas observando o que mais parece ser um quadro ou livro em movimento. A riqueza dos detalhes e das cores do lar da portuguesa (Clara Riedenstein), protagonista sem nome, se une ao marasmo de sua rotina enquanto espera pelo marido – que, por sua vez, ama a guerra mais do que tudo. A contemplação existente dentro do castelo decadente e do vazio externo e interno da portuguesa se faz presente do início ao fim.
A aparente estagnação da narrativa pode soar exagerada para uns, mas é inevitável que ela seja o foco da história – afinal, Gomes filma como se estivesse naquela época, sem movimentos de câmera exagerados ou zooms que dão mais dinâmica. A inércia na técnica do filme reflete de modo suave e agradável em todo o restante, pois a própria protagonista emana uma aura tão natural quanto misteriosa, o que resulta numa combinação que enche os olhos. Tal como sua presença em tela, o modo como a portuguesa vive em volta da natureza (seja com os muitos animais que aparecem aos poucos ou com atividades ao ar livre) a destoa completamente do marido, por mais que haja desejo e paixão entre o casal.
Quando retorna da guerra após muitos anos longe e se dá de encontro com a esposa e o filho que mal conhecera, Von Ketten (Marcello Urgeghe) acende uma chama que quase chega a ser palpável na narrativa – vide a bela cena em que o casal toma banho em barris separados, mas sempre tentando se aproximar de forma delicada e provocativa. No entanto, existe um embate entre ambos: ela representando o lar, a natureza, e ele representando a liberdade, a violência e o movimento. A inquietude presente na esposa e no marido grita em meio ao silêncio dos cômodos do lar.
A Portuguesa acerta todo e qualquer tom enquanto conto, apesar de não se enquadrar completamente como uma história convencional, com twists ou atuações que se sobressaiam. No entanto, Gomes aproveita sua própria liberdade criativa ao inserir pequenas intervenções musicais da atriz Ingrid Caven, que vaga por entre as cenas com roupas fora de época e uma presença marcante. Tirando estas passagens em que as pessoas possuem parte da atenção diante da câmera, é a natureza e seus símbolos que acabam por dar vida a tudo o que está à sua volta.
Filme visto no 8º Olhar de Cinema - Festival Internacional de Curitiba, em junho de 2019.