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    Reconstruindo Utoya
    Críticas AdoroCinema
    4,5
    Ótimo
    Reconstruindo Utoya

    Um terror pessoal visto de fora

    por Barbara Demerov

    Há momentos na vida com o potencial de serem tão marcantes que torna-se difícil não repassá-los na mente repetidas vezes. "Havia algo que eu poderia ter feito diferente?" certamente é um pensamento que já deve ter passado pela sua cabeça, não importando a situação. Mas imagine que você é um dos sobreviventes do atentado na ilha de Utoya, ocorrido em 2011 e que deixou 69 jovens mortos. É de se esperar que, das duas, uma: ou você daria replay em cada segundo ou bloquearia tudo da memória.

    Reconstruindo Utoya é um exercício para o espectador e para as vítimas do massacre. Um exercício de como lidar com o luto, o medo, as más lembranças e a vontade de ter feito algo a mais; tudo misturado e arraigado nos olhares de cada um dos quatro sobreviventes que aceitaram reviver suas memórias mais profundas do dia 22 de julho. 

    Mesmo sendo um documentário, aos poucos a obra vai se tornando capaz de se misturar com ficção justamente pelo que propõe: a intenção de ajudar os sobreviventes a falarem sobre suas experiências e fazê-los com que assistam o que viveram do lado de fora, através de um grupo de jovens que atuam e ouvem ao mesmo tempo. Dentro de um estúdio preto com apenas fitas brancas coladas ao chão que moldam partes da ilha, memórias são revisitadas e sentimentos aflorados de ambos os lados.

    Não só o local como também o estilo de filmagem remetem a Dogville, de Lars Von Trier - mas tal semelhança, por mais interessante que seja, vai ficando mais fraca à medida que os sobreviventes, um a um, falam sobre tal vivência assustadora. Uns choram mais, outros falam menos, mas todos compartilham do mesmo olhar devastador que só quem perdeu tanto em pouco tempo tem o desprazer de possuir. O misto de surpresa e emoção que todos sentem ao se verem como espectadores de suas próprias histórias é impactante.

    Dividido em capítulos cujos títulos são os nomes dos quatro jovens que lutaram por suas vidas - seja nadando ou pulando de um penhasco - Reconstruindo Utoya não foca no atirador, tampouco na motivação política por trás de seu ato. O cerne no documentário são os jovens cujas vidas foram modificadas brutalmente. Por mais que alguns depoimentos possuam singelos fachos de luz (como a jovem que reencontrou seu namorado após o tiroteio e o irmão mais novo que reencontrou o mais velho no hospital), todas as perdas físicas e mentais são sentidas.

    Em certo ponto do longa, quando uma das "cenas" acaba e um dos quatro jovens pede para que os que simulam estar mortos levantem do chão, ele diz: "Quem me dera fosse fácil assim". Abalados e em silêncio, o grupo que senta junto dos sobreviventes são como nós, espectadores: perturbados demais para dizer qualquer coisa. Mas, em contrapartida e para um desafogo de energias, também vemos que eles são capazes de sorrir e estender a mão para abraçar. Nos últimos segundos de Reconstruindo Utoya, a câmera, que estava focada em mostrar o estúdio escuro, deixa implícito que todo pesadelo pode ter um fim ao se posicionar a favor do lado luminoso.

    Filme visto na 24ª edição do É Tudo Verdade - Festival Internacional de Documentários, em abril de 2019.

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