Essa filha não é minha
por Bruno CarmeloJulgando pelo título e pelo cartaz, o foco desse projeto parecem ser as duas garotinhas, melhores amigas, ambas batizadas Inês Garcia. Elas são criadas por famílias vizinhas e próximas, despertando boas anedotas graças ao nome. No entanto, ao contrário de As Duas Irenes, que privilegiava as descobertas da infância e adolescência, a comédia dramática dirigida por Pablo José Meza se volta aos adultos, mais especificamente os pais das meninas. Da primeira à última cena, eles possuem um único conflito: a dúvida sobre a paternidade das garotas, nascidas no mesmo hospital, ao mesmo tempo, e possivelmente trocadas por engano.
Se houvesse teste de DNA na época, o filme não existiria. Mas a dúvida nasce, primeiro, em função de um detalhe (a filha do casal loiro é morena; a filha do casal moreno é loira), e em seguida em virtude de um senso de fragilidade próprio ao macho patriarcal: a paternidade sempre pode gerar dúvidas. O projeto brinca com as configurações da comédia de costumes, repleta de códigos muito precisos (a dona de casa, o pai provedor, a sogra religiosa e intrometida), mas jamais se dedica a subvertê-los ou criticá-los. O roteiro cita discretamente a inflação e os problemas argentinos nas décadas de 1980 e 1990, mesmo assim a sociedade ao redor praticamente inexiste. O foco são os cinco adultos (quatro pais e uma sogra), brigando e gritando uns com os outros durante 90% da narrativa a respeito da dúvida persistente.
Partindo de um conflito curioso, As Ineses é prejudicado pelo tratamento desengonçado dos saltos temporais. O parto e as primeiras indagações sobre as garotas aparecem em poucos minutos, depois os letreiros indicam um salto de nove anos, e depois de mais alguns meses... As crianças, pela falta de desenvolvimento psicológico, tornam-se indistintas, passíveis de confusão com as irmãs mais velhas – ao passo que os pais e avó não envelhecem. Um problema de saúde (simbolizado por uma pequena tosse) persiste em mesmo estado durante nove anos, já um acidente familiar se sucede rápido demais. O compasso ora se estica, ora acelera demais, fruto de roteiro e montagem mal agenciados.
Em virtude desses desajustes, a comicidade se perde. O elenco atua alguns graus acima do realismo, como seria conveniente à comédia pastelão, no entanto as escolhas estéticas – de fotografia, arte, som – aproximam-se do melodrama televisivo. A escolha de ritmo e ângulos é fundamental na comédia, no entanto Meza resolve a maioria de suas cenas com planos de conjunto burocráticos, colocando os personagens uns ao lado dos outros quando precisam conversar. Em muitos casos, eles sequer se deslocam, sentando-se na cadeira, no sofá, na cama e conversando, ou brigando. Os diálogos se transformam no único motor de uma comédia incapaz de construir humor pelas imagens.
As Ineses confia numa premissa lúdica, quase mágica: a incrível coincidência dos partos simultâneos entre melhores amigas, a improvável troca do bebê, além de mais algumas reviravoltas inverossímeis. Caso se assumisse de vez como fábula, adentrando os elementos absurdos ou farsescos, alfinetando os pais inseguros e as sogras alcoviteiras, poderia se transformar numa boa sitcom. Entretanto, ao optar pela comédia agridoce de pesado sentimentalismo, termina por levar a sério demais uma narrativa incompatível com o naturalismo.