O meu maior interesse em assistir esse filme da Netflix foi a tecnologia. Quando vi o primeiro post sobre esse conteúdo me interessei pela tônica que move os roteiros da série (Black Mirror) e também pela surpreendente estratégia de marketing da empresa, que divulgou de maneira oficial o lançamento poucos dias antes (menos de uma semana), sem propaganda, inclusive para alguns que logo com as primeiras notícias já buscaram adicionar o conteúdo em suas listas de interesses no serviço de streaming se depararam com somente uma imagem de tumbnailcom no centro os pontilhados formando um circulo que gira e vai se completando, comum nos primeiros segundos dos episódios (e nada mais). Alguns gatilhos mentais dos fãs foram ativados, e a ansiedade já tomou conta de imediato (tudo que o time de inbound marketing da empresa desejou).
O filme é muito bem filmado, contando com algumas cenas com closes pouco habituais, além de cortes que, intencionalmente te deixa confuso. Tudo bem até aqui não há muita novidade, além de logo de cara, por alguns segundos você perde o controle da sua TV (isso mesmo, nada funciona, se me recordo bem, nem mesmo o volume, enquanto uma TV da década de 80 aparece e lhe dá instruções básicas de como interagir com o conteúdo, e na sequência, um sinal de estática, e então vinheta padrão da Netflix). Só percebi esse momento porque por costume nos primeiros segundos eu sempre confiro se o áudio escolhido é o original na opção 5.1 e a legenda está em português (em casa sempre mudamos os idiomas de acordo com o gênero que assistimos, então já virou rotina essa checagem). Essa “perda do controle” me deixou ainda mais curioso para iniciar logo a experiência de interatividade.
Por aqui, combinamos de assistir em grupo (isso mesmo, nós admitimos, sentimos saudades da nossa infância assistindo Você decide), e logo na primeira escolha me maravilhei com os 10 segundos de decisão binária (ou seja, são apresentadas somente duas opções) e o quanto é difícil a enquete para mais de uma pessoa em 10 segundos. Além disso, independente da decisão, tudo ocorre de maneira muito fluída, ou seja, depois dos 10 segundos, não há cortes e nem nenhum tipo de quebra na sequência das cenas, o que realmente ficou muito bom. Nesse momento eu estava muito divido entre analisar conscientemente tudo que estava acontecendo, atento há possíveis Easter Eggs das temporadas, citações da época (década de 80), tecnologias que os produtores aplicaram e etc. e aproveitar a trama, me deixar envolver como os demais presentes, pois, mesmo o roteiro sendo mórbido como prometido, a curiosidade para compreender a história, motivações e o fio da meada é realmente magnetizador .
A mensagem do episódio é bem impactante, porém, em alguns momentos que se chega mediante as escolhas, você passa por uma quebra no ritmo, o que rapidamente lhe confere mais interesse (uma vez que o cérebro humano não trabalha muito bem com “tarefas incompletas” - neurociência aplicada mode on). Dessa maneira, era unânime a pequena frustração quando chegávamos em algum ponto sem saída (o que faz o espectador voltar em um determinado ponto de escolha previamente visto), porém as cenas mudam ligeiramente, e é importante ficar atento a essas mínimas mas importantes mudanças. Além da frustração, a nossa alegria ao encontrar alguma informação “escondida” ou link entre um fato e outro foi também outro ponto forte da experiência.
Ao assistir todos os possíveis finais (ao menos descobertos até agora) tivemos a preferência por um deles (que para mim ainda tem algumas informações extras que não conseguimos identificar), e acredito que cada pessoa terá o seu predileto (ou acontecerá o mesmo efeito que o final do filme Inception cujo o nome em português do Brasil ficou A Origem, que normalmente se interpreta o final de maneira distinta de acordo com a quantidade de vezes que se assiste o filme, ao menos comigo e uns amigos isso ocorre). O interessante é todo o ecossistema criado pela Netflixpara o filme. Já descobriram que o código sonoro em um dos finais nada mais é do que linhas de programação, que, ao serem convertidas formam um código QR Code que lido por um smartphone direciona para um site retrô da empresa de tecnologia do filme, com os seus conteúdos (os jogos produzidos pela empresa) e até mesmo vagas de emprego (que são reais na própria Netflix, por falar nisso, tem vaga para mais um por aí??). Além disso tem banner para o famoso aplicativo de um dos episódios da série que lhe informa o seu nível de notoriedade. No momento que esse artigo estava sendo escrito, fui dar mais uma espiada no site, e “estranhamente” não estava apresentando todo o conteúdo (somente o redirecionamento para as vagas de emprego), o que pode ser por conta da demanda de acessos ou mesmo parte da estratégia da empresa.
Se você já se questionou com relação a destino, livre arbítrio, o que é politicamente correto ou não, consciência e demais temas, irá gostar das mensagens desse filme, e com certeza fará parte de várias das rodas de conversa daqui para frente. Muito além de tecnologia, bom roteiro e boas atuações, Black Mirror cumpre mais uma vez com a proposta aplicar um choque de realidade para quem tem sensibilidade e coragem.