A técnica acima do roteiro
por Barbara DemerovQue Black Mirror é uma das séries mais impactantes dos últimos tempos, isso não é nenhuma novidade. Cada episódio desta antologia conversa com diferentes aspectos da vida moderna, sempre com a tecnologia em sua essência. Quem acompanha a série sabe que há alguns episódios extremamente dramáticos e outros mais leves que podem até trazer mensagens positivas sobre amor, amizade ou autoconhecimento. Mas por que parar por aí? Criar histórias dinâmicas e variadas dentro de um só universo que tanto se relaciona com modernização e ciência, até então, era um limite já bastante impactante. Agora, não mais: para a Netflix e seu novo episódio/filme Bandersnatch, este limite acaba de ganhar uma extrema liberdade de condição.
O serviço de streaming acaba de conquistar um espaço até hoje nunca alcançado em uma série televisiva: dar ao espectador a escolha de participar ativamente de uma narrativa e definir o destino de seu protagonista. O mistério e a promessa de uma ferramenta inovadora que conversa de modo amplo com o universo Black Mirror estão entregues, mas a questão principal é: estruturalmente, Bandersnatch é um filme liberto de amarras? Daquelas mesmas amarras que a série sempre deixa claro que existem - não importa o personagem, ano ou realidade em questão?
Se o espectador clica para começar a ver/participar/jogar Bandersnatch, com o tempo ele verá que existe, sim, um controle de toda a situação. A tecnologia continua controlando aquele que está na frente da TV ou do tablet - mas a "distração" é que, agora, nós também podemos controlar as marionetes que estão dentro da tela. A partir da segunda ou terceira escolha do protagonista Stefan já é possível entender que há a manipulação dentro do que é o certo e o errado. O mais curioso neste filme não é nem a história em si, mas sim a falsa sensação de controle e de planejamento, pois, no fim das contas, a narrativa já está completamente programada para entregar o que quer entregar. Assustadoramente programada, por assim dizer.
A escolha dos anos 1980 para ambientar a história (assim como o universo dos jogos, as cores e visuais da época) trazem familiaridade imediata para um mergulho no que há de mais Black Mirror, mesmo nada disso sendo inédito. O problema é que o roteiro por si só não chega nem perto da potência de certas histórias da antologia (como White Christmas, The Entire History Of You ou Hang the DJ) e é basicamente sustentado pela estrutura fragmentada e dividida em opções. Se não fosse pela inovação narrativa da Netflix, e se a história fosse contada com apenas um dos cinco finais alternativos, certamente ela não entregaria tanto impacto.
Por possuir diversas possibilidades, Bandersnatch pode ter reações diferenciadas do público e, portanto, é um tanto quanto difícil analisar a história como um todo já que não existe nada absoluto. Após o espectador finalizar a jornada com suas primeiras escolhas é possível continuar participando da história a fim de conhecer os outros destinos de Stefan. Um deles, que envolve mais de uma morte, certamente é o que mais se encaixa no estilo Black Mirror de ser, interligando o início da história com um fim trágico, mas muito coeso com a proposta. No entanto, outros finais podem se conectar mais com a figura interna de Stefan e suas relações familiares - não com a do jogo que está criando, que é o verdadeiro foco da trama.
Se por um lado a narrativa não é totalmente construída com base no livre-arbítrio, do outro há boas sacadas que surpreenderão o espectador pela capacidade de formar uma breve conversa com o protagonista. Dependendo da opção selecionada, nós podemos nos tornar o "amigo do futuro" que explica a um confuso Stefan o que é a Netflix - uma maneira criativa e realmente divertida de quebrar a quarta parede de uma maneira diferenciada. No fim das contas, estes detalhes (que não são necessariamente importantes para a resolução da trama) são o que há de mais inovador desta ferramenta.
Por conta de fazer parte desta já extensa antologia, é curioso notar que Bandersnatch não possui uma história com nexo e muito menos tenta explicar o que está acontecendo a partir de algumas escolhas. Apesar de ser estranho fazer escolhas "erradas" dentro de uma proposta que teoricamente abraça a liberdade, é completamente compreensível quando analisamos pelo lado de que, na verdade, isso é exatamente o que a produção quer passar. Assim como Stefan sofre para criar rumos para seu jogo, o espectador também se sente preso e pode se ficar frustrado. Mas nenhuma das escolhas soam necessariamente desnecessárias, fazendo com que seja muito difícil deixar de observar Stefan enquanto ele busca respostas no vazio, à procura do nosso critério.