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    Gully Boy
    Críticas AdoroCinema
    4,0
    Muito bom
    Gully Boy

    O despertar da periferia

    por Bruno Carmelo

    O jovem Murat (Ranveer Singh) precisa lidar com uma série de conflitos: o namoro escondido com Safeena (Alia Bhatt), a responsabilidade de terminar os estudos, a vontade de se tornar rapper apesar da desaprovação paterna, a falta de dinheiro, a pressão do tio para aceitar um trabalho burocrático, a sedução da “vida fácil” dos colegas traficantes, a sedução de meninas estrangeiras, o descaso da mãe quando o pai se casa com uma segunda mulher, o despertar de sua consciência política, a invasão do turismo predatório em seu bairro, o preconceito por morar num local pobre, o preconceito por ser muçulmano num país de maioria hindu etc.

    Como se percebe, temos tramas e subtramas em excesso, como de costume em diversas produções de Bollywood. No entanto, uma surpresa positiva é o modo orgânico com que Gully Boy gerencia esses temas: a montagem, de um malabarismo preciso, articula estes polos em caminhos paralelos, sem esquecer nenhum e tampouco deixar fios soltos. O roteiro dá conta de apresentar satisfatoriamente cerca de vinte personagens, criando um arco dramático independente para cada um, desenvolvendo um linguajar e estilo de diálogos único, além de uma conclusão precisa a cada dilema.

    Soa como uma proeza o fato de o filme ter apenas 2h30, em bom ritmo, evitando a impressão de redundância. A jovem cineasta Zoya Akhtar faz prova de um impressionante artesanato: ela sabe conduzir as cenas musicais com energia vibrante, os instantes de violência de modo frontal e potente, além dos momentos melodramáticos sem apelar para o excesso de frases feitas. Aliás, o filme ostenta recursos elegantes como a apresentação do namoro entre Murat e Safeena (brincando com a falsa impressão de amor à primeira vista), a briga entre os pais do protagonista retratada apenas em voz off e a primeira apresentação bem-sucedida do rapper Gully Boy, sozinho, dentro de um carro de luxo, expiando sua raiva apenas aos olhos do espectador.

    Existem clichês, é claro, e não são poucos. É fácil adivinhar com quem Murat ficará no final da história, e qual conclusão terá a sua carreira musical. No entanto, a capacidade de retratar um destino previsível com tamanha segurança se revela um mérito louvável. Além disso, os atores contribuem na tarefa: Ranveer Singh evita reforçar emoções óbvias, enquanto suas duas principais companheiras de cena femininas, Alia Bhatt e Kalki Koechlin, são atrizes excelentes, do tipo que roubam a cena sempre que aparecem. Uma ou outra cena de qualidade baixa (os zooms nos estudantes dentro da escola) não é capaz de perturbar a coesão do conjunto.

    Através dos temas grandiosos do amor romântico, o amor familiar e a crença em si mesmo, Gully Boy consegue discutir temas contemporâneos em profundidade. A emancipação feminina, o sistema de castas sociais e a criminalidade como única alternativa aos mais pobres são abordados com fúria e lirismo por esses rappers progressistas como Gully Boy e seu mentor Mc Sher (Siddhant Chaturvedi). “O rap é ritmo e poesia”, lembra este último. Por trás da aparência despretensiosa de feel good movie, o filme consegue evocar o despertar político das classes desfavorecidas, a dificuldade de se estabelecer como artista no século XXI e as possibilidades de relacionamento fora dos códigos sociais. Nada mau para um projeto comercial, voltado ao público amplo.

    Filme visto no 69º Festival Internacional de Cinema de Berlim, em fevereiro de 2019.

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