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    Eu Estava em Casa, Mas...
    Críticas AdoroCinema
    3,5
    Bom
    Eu Estava em Casa, Mas...

    Cinema sem direção?

    por Bruno Carmelo

    As reações a este drama durante o Festival de Berlim foram intensas. “Mas por que ela coloca aquele coelho correndo na planície?”. “Que sentido tem aquelas cenas com crianças encenando Hamlet?”. “Para que tanto tempo para mostrar uma bicicleta?”. “E a menina vestindo a roupa, que não acabava mais?”, se exasperavam os críticos pelos corredores. O próprio título constitui uma petulância. “Eu estava em casa, mas”, diz o nome do filme. “Mas” o quê? Na coletiva de imprensa, a diretora Angela Schanelec respondeu com calma às perguntas sobre suas motivações: “Sempre quis filmar um coelho pulando”, disse. Simples assim.

    Esta provocação enfureceu tantas pessoas por ir de encontro com um elemento considerado fundamental na percepção de autoria no cinema: a intencionalidade. O artista, por definição, é visto como aquele que pretende transmitir algo ao mundo, que “precisa filmar” por alguma ânsia interna e pela necessidade muito grande de exteriorizar uma pulsão criativa. O cinema se imporia, de certo modo, ao indivíduo, visto como mero veículo para a concretização da obra. Por isso, o ato de filmar por filmar, de colocar lado a lado cenas que, voluntariamente, não têm “nada a dizer”, soa como uma afronta à cinefilia clássica.

    No entanto, projetos conceituais como este podem desempenhar um papel fundamental na produção cinematográfica. I Was At Home, But nos relembra a possibilidade de admirar um enquadramento por seu valor puramente estético, ao invés de narrativo ou discursivo; o efeito em cena de um corpo desprovido de motivação ou transformação diegética; a pluralidade semântica da aparência de aleatoriedade (existem interpretações infinitas a partir deste material) e especialmente a importância do estranhamento. Após tantos filmes polidos porém anódinos, o 69º Festival de Berlim trouxe um competidor que despertou reações profundas e complexas nos espectadores – seja de adesão ou rejeição. Não é pouca coisa.

    É tentador destacar pontos em que Schanelec parece se arrastar, as cenas repetidas, os momentos mais divertidos em relação aos banais. No entanto, seria infrutífero analisar uma obra destas com as mesmas ferramentas de linguagem de qualquer produção narrativa – falar em “arco de personagens”, “composição dos atores”, “coesão narrativa”. O projeto possui uma função retórica, um valor por sua própria existência, em sua afronta a outros valores predominantes e mais comerciais na produção cinematográfica majoritária, seja ela comercial ou voltada ao circuito de festivais.

    I Was At Home, But constitui uma performance em si, composto de uma série de performances internas. Pode-se destacar o valor da palavra oral nas imagens, a obsessão de Schanelec pela filmagem de mãos e pés, a metalinguagem através dos diálogos de dois personagens sobre a interpretação de um filme, a suposta trama, quase microscópica, sobre um pai morto e um filho traumatizado. Mas nenhum destes elementos constitui um foco verdadeiro. Em sua dispersão, em seu aspecto árido, o resultado se revela surpreendentemente homogêneo e fluido. Ele cria suas próprias regras e as cumpre com um prazer juvenil.

    Filme visto no 69º Festival Internacional de Cinema de Berlim, em fevereiro de 2019.

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