União perfeita entre o mundo urbano e místico da Marvel
por Bruno BotelhoO Universo Cinematográfico Marvel começou sua Fase 4 depois do sucesso que a franquia teve na Saga do Infinito desde Homem de Ferro (2008) até Vingadores: Ultimato e Homem-Aranha: Longe de Casa, ambos de 2019. Viúva Negra, estrelado por Scarlett Johansson, foi o primeiro longa a fazer parte dessa nova etapa da Marvel e, depois de muita espera, temos o primeiro super-herói asiático protagonizando um filme do Universo Cinematográfico Marvel, que se trata de Shang-Chi e a Lenda dos Dez Anéis.
Na história de Shang-Chi e a Lenda dos Dez Anéis, Shang-Chi (Simu Liu) é um jovem chinês criado por seu pai Wenwu (Tony Leung) em reclusão, sendo treinado em artes marciais. Quando ele tem a chance de entrar em contato com o resto do mundo, logo percebe que seu pai não é o humanitário que dizia ser, vendo-se obrigado a se rebelar. Toda essa história de fundo no filme que o conecta com outras produções gira entorno da organização Dez Anéis.
Shang-Chi é uma das mais empolgantes introduções de personagens da Marvel
No cinema, acompanhamos diversas histórias de origem dos super-heróis em filmes introdutórios, como vimos em Capitão América: O Primeiro Vingador (2011) e Capitã Marvel (2019), por exemplo. Shang-Chi e a Lenda dos Dez Anéis usa essa fórmula recorrente, mas foge ao máximo de clichês com um dos inícios mais promissores e empolgantes de personagens dos quadrinhos, fazendo uma união perfeita entre mundo urbano e místico do Universo Cinematográfico Marvel.
Shang-Chi é um dos melhores lutadores nas HQs da Marvel e por isso somos apresentados ao mundo das artes marciais ao lado do protagonista Simu Liu. Conhecemos ele tentando viver uma vida normal nos Estados Unidos, enquanto os flashbacks nos mostram que ele foi treinado em artes marciais pelo seu pai Wenwu (Tony Leung) para futuramente ocupar seu espaço na organização Dez Anéis. Depois de 10 anos podendo viver sua vida tranquilamente, sua volta é requisitada e vai fazer Shag-Chi entrar em uma aventura perigosa, mas também grandiosa pelo universo místico da Marvel.
Em alguns momentos, existe uma quebra no rítimo por causa das transições entre ação e drama, mas o diretor Destin Daniel Cretton não tem pressa para desenvolver esse mundo próprio, instigando aos poucos o público para descobrir os grandes mistérios presentes na história. O cineasta é reconhecido pelo seu trabalho em Short Term 12 (2013) e Luta por Justiça (2020), e faz que Shang-Chi e a Lenda dos Dez Anéis tenha algumas das melhores cenas de luta do MCU desde Capitão América 2 - O Soldado Invernal (2014). Cretton mostra criatividade e um grande repertório para filmar as cenas bem coreografadas e que são voltadas para o combate corporal das artes marciais, seguindo o estilo de grandes sucessos de ação recentes, especialmente os filmes Operação Invasão (2011) e John Wick - De Volta ao Jogo (2014).
Representatividade asiática com personagens fortes e bem desenvolvidos
Simu Liu prova que está mais do que prepararado para ser um dos grandes astros do cinema atual, com seu preparo físico impressionante para as cenas de ação, além do carisma necessário em um protagonista da Marvel. A narrativa é movida especialmente pela relação de amizade entre ele e Katy, interpretada por Awkwafina. Os dois personagens (e atores) carregam um entrosamento impressionante e que vai render muitas gargalhadas do público ao longo de todo o filme – como não poderia faltar em uma produção da Marvel.
Uma das maiores surpresas é Xialing, interpretada por Meng'er Zhang em seu primeiro papel nos cinemas. Ela é a irmã afastada de Shang-Chi, que por causa da relação conturbada com seu pai Wenwu acaba ganhando força e se tornando uma pessoa carrasca. Os relacionamentos de Shang-Chi, Xialing e Wenwu provam como esse é um filme com muita alma e que tem a temática da família no coração de sua trama. Os roteiristas Dave Callaham, Andrew Lanham e Destin Daniel Cretton acertaram em cheio no desenvolvimento de todos os personagens principais, conseguindo fazer com que o público simpatize e, principalmente, se importe com eles e seus destinos.
Assim como Pantera Negra (2018) teve um papel fundamental na representatividade negra dentro do cinema de super-heróis, Shang-Chi e a Lenda dos Dez Anéis é um importante passo na representatividade asiática dentro do Universo Cinematográfico Marvel, com uma história que celebra essa cultura com honestidade e grandiosidade, o que muitas produções de Hollywood – no passado e no presente – deixaram de lado ao usarem clichês e esteriótipos. Muito disso pode ser explicado pelas pessoas que fazem parte do filme, pois Kevin Feige (presidente da Marvel Studios) disse que 98% do elenco de Shang-Chi e a Lenda dos Dez Anéis é asiático.
Tony Leung rouba a cena com um Mandarim diferente – e melhor – do que os fãs esperam
Uma das grandes expectativas para Shang-Chi e a Lenda dos Dez Anéis era a introdução do verdadeiro vilão Mandarim no Universo Cinematográfico Marvel, pois uma versão falsa do personagem foi apresentado em Homem de Ferro 3 (2013). Agora, conhecemos Wenwu e a verdadeira origem da organização Dez Anéis, mas que é positivamente diferente do clássico antagonista nos quadrinhos da Marvel, ainda que esteja cercado de alguns auxiliares mais caricatos.
Nas HQs, Shang-Chi é filho de Fu Manchu, considerado uma caricatura oriental racista e que contribuiu para o tipo de estereótipos "Perigo Amarelo" – metáfora racista que descreve os asiáticos orientais como um perigo para o mundo ocidental. Pensando nisso, o filme profundamente a personalidade complexa de Wenwu para explorar as origens da raiva e da dor que fizeram ele tomar atitudes condenáveis em sua vida. Ao lado de Loki (Tom Hiddleston), Thanos (Josh Brolin) e Killmonger (Michael B. Jordan), ele é um dos antagonistas que têm suas motivações desenvolvidas de maneira mais interessante. Até mesmo o título de Mandarim foi aplicado para o personagem no passado por pessoas que não entendiam sua cultura.
Obviamente que nada disso seria possível sem o talento de Tony Leung Chiu-wai. O ator é uma lenda do cinema chinês e estrelou obras aclamadas como Amores Expressos (1994), Amor à Flor da Pele (2000) e O Grande Mestre (2013). Por causa dessa experiência, ele rouba a cena com uma performance poderosa e repleta de nuances, que passeiam da fúria até a dor do luto.
Algumas das falhas recentes mais significativas do Universo Cinematográfico Marvel é usar algumas de suas produções como preparação para algo maior (e mais importante) que veremos futuramente – o que foi bastante criticado por algumas pessoas na série Loki. Felizmente, Shang-Chi e a Lenda dos Dez Anéis é o oposto disso, conseguindo estabelecer seu próprio universo e suas particularidades. Mas também fica evidente que o futuro reserva grandes acontecimentos para o protagonista Shang-Chi e outros personagens importantes da trama, principalmente por causa do final do filme e as duas cenas pós-créditos que são, no mínimo, empolgantes.
Shang-Chi e a Lenda dos Dez Anéis é uma aventura cheia de ação, mas também com muito coração ao falar sobre relações familiares. A história de origem de Shang-Chi coloca ele como um dos personagens mais legais e interessantes no Universo Cinematográfico Marvel, com um passo importante na representatividade asiática e celebração dessa cultura em uma mistura perfeita entre o universo urbano e místico. Vamos aguardar ansiosamente os próximos passos de Shang-Chi e sua turma na Marvel.