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    Carta para Além dos Muros
    Críticas AdoroCinema
    3,5
    Bom
    Carta para Além dos Muros

    Estigma que permanece

    por Barbara Demerov

    Em tempos que a precisão de informações e o resgate das mesmas no dia a dia se mostram necessários para que as pessoas tenham mais discernimento perante a temas de alta relevância humanitária, é importante termos ao alcance documentários como este. Carta para Além dos Muros traz um panorama cronológico extenso no que se diz respeito ao HIV e a AIDS no Brasil, assim como sua fama e anonimato quase que simultâneos, embora se estenda em reflexões dentro de alguns tópicos de contexto mais amplo.

    Contando com uma grande variedade de fontes (chegam a ser aproximadamente 30 vozes que conhecem a AIDS à sua maneira) que vai desde Drauzio Varella, Lucinha Araújo (mãe de Cazuza) até a dermatologista Valéria Petri (a primeira profissional a diagnosticar a AIDS no Brasil), o filme de André Canto consegue administrar bem o tanto de informações que tem em mãos. Partindo do início, da epidemia que chega ao país após ser muito comentada afora - especialmente nos Estados Unidos -, temos depoimentos que explicam como se deu o surto de casos nos anos 80 e 90. São eles que vão delineando, aos poucos, o verdadeiro intuito narrativo: mostrar o estigma que acompanha a doença desde o princípio pela ligação com homossexuais e prostitutas.

    Ao mesmo tempo que traça essa linha temporal, Carta para Além dos Muros conta com um personagem anônimo que se descobriu com HIV há dois anos. Tendo de lidar com o medo interno de "sair do armário duas vezes", como o próprio define também por ser gay, Caio (nome fictício) possui um discurso que certamente ressoa bastante com os daqueles que carregaram o medo e o preconceito há décadas atrás. Essas características narrativas engrandecem a potência temática do documentário - juntamente com o bom trabalho de fotografia e cenografia, que possui como cenário uma casa com portas abertas dando vista à cidade grande, para que suas fontes possam falar abertamente sobre a AIDS.

    O paralelo entre o jovem que ainda vive nas sombras do medo e a tecnologia na medicina que não conseguiu acabar com o preconceito ou carência de informações às novas gerações é bem delineado, mas não tão bem dosado com relação às demais passagens do filme. Quando se fala de Cazuza, por exemplo, é apenas um excerto que, mesmo bem colocado a fim de mostrar que ele foi o porta-voz daquela geração, poderia ser um pouco mais estendido e abordar outras personalidades. Herbert de Souza, sociólogo e ativista do combate ao HIV, também se faz presente ao longo dos depoimentos. Mas o elemento histórico do documentário, ao qual ambos fazem parte, passa um tanto rápido demais, mesmo com tantas pesquisas e dados envolvidos.

    Caio Fernando Abreu, também vítima do HIV, se faz presente aqui de forma poética - nada surpreendente visto o que sua figura ainda representa na literatura. O título do filme é uma extensão de seu livro intitulado "Cartas", que o jovem personagem anônimo se conectou emocionalmente após receber seu diagnóstico. Esses momentos mais bonitos e singelos vão de encontro com a melancolia por sabermos que muitas pessoas ainda encaram com preconceito a infecção e o tratamento da doença. Entre os depoimentos que cercam os anos mais recentes, envolvendo a medicina avançada, está (também de modo breve) o questionamento de que ainda há uma epidemia de AIDS no Brasil nas populações que possuem alto risco devido a questões estruturais que privam a saúde de suas vidas. O documentário deixa claro que é preciso urgentemente falar mais sobre o assunto, mostrando que é um ótimo início de conversa por si só.

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