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por Aline PereiraNem senti o tempo passar tanto assim. Deve ter sido essa a primeira resposta a um dos questionamentos mais comuns sobre O Brutalista, filme do diretor e roteirista Brady Corbet (da série Entre Estranhos) indicado a 10 categorias do Oscar em 2025 e que marca um ótimo retorno de Adrien Brody à premiação mais de duas décadas depois do sucesso de O Pianista. A curiosidade é justificada: tudo bem, as mais de três horas e meia de duração podem intimidar, mas a jornada vale a pena. Temos uma história com ares épicos, sustentada por bons personagens e temas que devem perdurar na mente dos espectadores que se deixarem levar pela odisseia - com todos os seus exageros, é verdade - do protagonista.
A história de O Brutalista começa no final da década de 1940 e se estende ao longo dos anos seguintes com Adrien Brody no papel de László Tóth, um arquiteto húngaro que, durante o horror do regime nazista, foge para os Estados Unidos, deixando para trás a esposa e a sobrinha, com quem só se reunirá anos mais tarde. A partir daí, vem um dos pontos principais de interesse da trama: o sonho americano não existe – pode até parecer que sim, a princípio, mas não existe.
Talentoso na arquitetura, László é contratado pelo magnata Harrison Von Burren (com bom trabalho de Guy Pearce no papel) para um projeto ambicioso que envolve toda a influente e abastada família dele. A dinâmica entre os dois começa em clima de admiração, gratidão e intelectualidade, mas se subverte, gradualmente, até que Von Burren se torne um antagonista.
É melhor que os detalhes dessa relação sejam guardados apenas para a sessão, mas de forma geral, é fácil alcançar a sensação de que o personagem de Guy Pearce simboliza um ideal de valorização e realização que não só é ilusório, como profundamente perverso.
A fuga da devastação da guerra não é uma tragédia contida em si, mas traz consequências que se ramificam e se desdobram em todo tipo de direção. Em sua nova vida, László se vê em situações que deixam claro que, vindo de onde veio, não importa o quão instruído e culto seja, existe um sistema que o subjugará e se encarregará de fazer o máximo esforço possível para que ele não saia do lugar designado a ele.
Mais tarde, com a chegada de Erzsébet (Felicity Jones) e Zsófia (Raffey Cassidy), esposa e sobrinha de László aos Estados Unidos, mais fatores são adicionados a essa equação e o protagonista enfrenta outras consequências na relação com a família, ao passo que Erzsébet, intelectualmente afiada, mas fisicamente muito frágil, também traz questões dela mesma e do casal.
A arquitetura brutalista tem a eficiência como prioridade e que usa da crueza do concreto em construções que, visualmente, parecem duras, frias. Os “detalhes” decorativos ficam de lado e, filosoficamente, é uma ferramenta social de resistência e política. A ideia fica clara no trabalho de László e nesse sentido, aliás, temos um filme que pode atrair também pela curiosidade de pincelar um ofício que talvez seja pouco conhecido pelo público.
O protagonista nos conta, por exemplo, que as construções sobrevivem às guerras e o objetivo dele ao criá-las é inspirar a identidade popular na retomada da liberdade, na queda da opressão.
Brady Cobert usa bastante tempo nos detalhes das construções que László está produzindo para os Von Burren, dando algumas referências de conceitos que ele pretendia inserir – nos espaços, altura, entrada de luz, entre outros aspectos. Entendo que possa parecer maçante, mas minha experiência nesse aspecto da obra foi satisfatória graças, principalmente, à trilha sonora marcante, que me fez pensar em um clima industrial, que passa do suave ao bruto e da ordem ao caos de uma forma muito abrupta. É como se estivesse ilustrando a arquitetura tanto como uma arte, quanto como um ofício braçal, técnico.
A persistência de László e sua família, marcada pela gravidade da dependência química, também tem um pouco disso. Sensibilidade e crueza marcam esposa, marido e sobrinha em um universo no qual chegam como alienígenas – atraem a curiosidade, o interesse e certa simpatia em algum nível, mas no fim das contas, também precisam servir a um propósito.
As mais de três horas e 30 minutos têm um respiro e há um intervalo de 15 minutos entre a primeira e a segunda parte. Penso que não se trata de uma pausa no filme propriamente dita, já que alguns elementos são colocados em tela enquanto a trama não retorna. Mais adiante também, vale destacar, há um epílogo. É esse conjunto (mais a teatralidade, mais a alta carga dramática) que dá a O Brutalista a ideia de um épico mesmo.
Aqui, um ponto que pode ser mais facilmente incômodo é a exploração melodramática do sofrimento do protagonista. Esteja pronto para testemunhar um sem-fim de tragédias: tudo de ruim que poderia acontecer a alguém acontece com László. Senti o coração apertado de angústia por ele porque, apesar dos exageros, a história se esforça para tornar o clima bastante realista.
Alguns dos acontecimentos, portanto, deixam uma profunda sensação melancólica – para a qual não só Adrien Brody parece o ator ideal, como faz Felicity Jones surpreender ao encarnar uma personagem carregada de enigmas, mas que tem menos tempo para ser explorada tão profundamente.
Em O Brutalista, a questão sobre o que fica depois, quando o tempo passa, quando alguns tipos de opressão são superados e outros parecem vir imediatamente para ocupar aquele lugar. Pensando nisso, é fundamental o esforço para que a história resista, que haja referências ao passado também visíveis e palpáveis. Do contrário, tudo desmorona.