(Insta: @cinemacrica): Fatos singelos se agigantam nesse drama francês. Robert Guédiguian reafirma a competência no gênero dramático e constrói, assim como na sua última obra "Uma Casa à Beira-Mar", uma atmosfera melancólica familiar abundante em significados. O nascimento de uma criança demarca o início da operação das engrenagens das relações humanas. Com rara elegância, o magnetismo não recai monotonamente sobre os cuidados com a nova vida, mas a partir disso, é possível assistir ao estudo social de um espectro humano tangível à maioria: as dores da classe média.
Felizmente, não há tempo desperdiçado com a curva de aprendizado dos novos pais e a falta de intimidade em lidar com um recém nascido. A ativação imediata, ao invés disso, é a lembrança do ex-marido da avó da criança que acabara de sair da prisão e toma conhecimento da boa notícia. O processo de reinclusão, repleto de preconceito por parte da família e que já sinaliza a ambição de tratar de vícios sociais, também é acompanhado do paralelo de gerações. O longa aborda a perspectiva de direitos, deveres e prazeres inerentes às diferentes faixas etárias. O sacrifício não romântico dos avós em buscar sustento se contrapõe a igual necessidade jovial, mas essa, envolta em vaidade. Se o avô não hesita em aceitar o emprego de motorista de ônibus, seu genro, mesmo tendo uma renda possivelmente similar, ostenta o título de autônomo por ser motorista de aplicativo.
As situações sócio-econômicas vividas pelos personagens retratam com riqueza uma generosa parcela das dificuldades que a classe média de qualquer país enfrenta. Mais do que expor, Guédiguian eleva a proposta ao conferir um toque crítico ao sistema. Num longa com aproximadamente 7 personagens relevantes, é louvável a forma com que cada um contribui sem haver faltas ou excesso, todos têm a devida dosagem para o cumprimento do objetivo maior que é uma reflexão moral extremamente provocativa e bem costurada.
Ao lado de Belle Époque, melhor filme em cartaz. Vale o preço do ingresso.