Um diário aberto
por Barbara DemerovAndré Medeiros Martins, diretor de Alfredo Não Gosta de Despedidas, foi concebido na última vez que sua mãe fez sexo. Ela ainda viveu 28 anos depois do nascimento de seu caçula, mas nunca mais teve relações. Talvez por isso, o fotógrafo e performer que agora estreia seu primeiro longa-metragem seja tão obcecado por sexo.
Boa parte dos 73 minutos de gravações, a maioria caseiras, é formada por cenas de sexo explícito entre homens. Há em cena sexo oral, anal, masturbação, jorros de sêmen e variedade de posições, fetiches e situações, protagonizadas por Martins e atores convidados - seus amigos. Observando tudo está sempre o cãozinho Alfredo, que vaga inocentemente e dá um tom ainda mais inusitado àquilo tudo. Não se trata de uma experiência comum diante da tela de cinema. Até mesmo durante a sessão do Mix Brasil, festival voltado para produções de temática LGBT, houve quem saísse da sala durante a projeção.
Quando não está fazendo sexo em frente à câmera, Martins investiga o passado de sua família, por meio de depoimentos com alguns familiares. Estes (especialmente sua avó) relembram os relacionamentos amorosos da mãe do diretor, e apontam que seu grande amor foi Edgard, um sujeito mais velho que ela conheceu quando mais nova e de quem não há registro em imagens. Misturando a barreira entre ficção e documentário, atrizes falam para a câmera representando a finada matriarca, às vezes repetindo as mesmas passagens escritas no roteiro.
Além de jogar com o que é realidade e ficção (Martins reitera algumas vezes em sua narração que nasceu em 1º de abril, o Dia da Mentira), o longa tem outras brincadeiras de linguagem, como as intervenções gráficas que conversam com o público durante um momento particular, que faz graça com a demora de um de seus parceiros em gozar.
O humor contido na obra, no entanto, não atingirá a todos. É preciso realmente embarcar na viagem de André, principalmente pelo fato desta ser uma história que mais se assemelha como um diário aberto para todos terem contato com seu mais profundo "eu". Se por um lado é interessante que o cinema transcenda e seja um meio que facilite a comunicação de seu emissor para com o mundo, pelo outro é inevitável sentir certa surpresa com tanta franqueza explícita em palavras e atos.
Por mais impactante que seja, Alfredo Não Gosta de Despedidas não é uma obra que tem como principal intuito apenas chocar. Há intensidade no modo que a história é contada e o fato de seu diretor querer quebrar barreiras se sobressai. Porém, a ideia parece ser mais poética e transcendental do que é na prática, com uma montagem que se repete cada vez mais e que acaba esgotando a principal missão do diretor: falar sobre sua mãe.
Filme visto no 26º Festival Mix Brasil de Cultura da Diversidade, em novembro de 2018.